Feed icon

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Mulheres negras e as eleições 2018

“A mulher negra é a síntese de duas opressões: a de gênero e a de raça. Isso resulta no tipo mais perverso de confinamento. Se a questão da mulher avança, o racismo vem e barra as negras. 
Se o racismo é burlado, geralmente quem se beneficia é o homem negro. 
Ser mulher negra é experimentar essa condição de asfixia social”. Sueli Carneiro

Segundo dados do mapa da violência elaborado em 2015 pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), o homicídio de mulheres negras aumentou 54% em 10 anos, enquanto que o de brancas reduziu 10% no mesmo período, além de evidenciar que a mulher negra também é a maior vítima de estupro. Mas por que as negras são as maiores vítimas?

Assim como os demais países latino-americanos, o Brasil ainda sofre com o racismo estrutural e estruturante em nossa sociedade, fruto de uma cultura escravocrata e colonialista. A população negra não recebeu nenhum tipo de atenção ou política de integração com o fim da escravidão, sendo jogados à margem da sociedade. Para as mulheres negras a situação é pior, pois além de serem vítimas de racismo, sofrem com a violência sexista, sendo utilizadas como objeto sexual por séculos, formando uma cultura que se arrasta até os dias atuais. Herança escravocrata. Escravidão modernizada. As antigas amas de leite e mucamas hoje são cozinheiras, governantas, lavadeiras, babás. E quando o corpo é negro, os indicadores retratam a agressividade do racismo: as mulheres pretas com baixa escolaridade são a maioria na categoria trabalho doméstico, têm os piores salários, as condições de trabalho mais precárias e predominam como chefe de família. Em resumo, a camada social mais pobre e marginalizada é a que mais sofre com a violência.

O movimento feminista protagoniza a luta por direitos das mulheres e a articulação das mulheres negras no movimento é essencial para dar direcionamento à construção de políticas públicas que atendam este segmento, haja visto que as estatísticas apontam as mulheres negras como as mais fragilizadas em nossa sociedade. 

Diversas políticas e ações foram implementadas pelos governos do PT desde 2003, visando garantir direito e proteção às mulheres, como a criação de um ministério de políticas para mulheres, criação do bolsa família com titularidade preferencial às mulheres, o Ligue 180 em defesa da mulher, a lei Maria da Penha, lei do feminicídio, licença-maternidade de seis meses, mulheres proprietárias no programa Minha Casa, Minha Vida e a lei dos empregados domésticos, que alcança diretamente as mulheres negras como já foi mencionado e que necessitam de atenção tanto pela garantia de seus direitos, como políticas que as façam ter outra perspectiva para além do trabalho doméstico. Neste sentido, a ampliação do acesso ao ensino superior e programas de ampliação do número de creches para que essas mulheres possam deixar seus filhos em local seguro, com cuidados, permitindo que possam trabalhar, garantindo assim sua autonomia financeira e possam escapar do ciclo da violência doméstica. Apesar da implementação dessas políticas, as mulheres negras ainda não foram alcançadas de forma satisfatória, sendo necessária a ampliação dessas políticas com olhar específico à realidade das negras, e não o retrocesso.

A partir do golpe em 2016, com a deposição da primeira mulher a presidir nosso país, acompanhamos a avalanche de perdas de direitos e aprofundamento da crise econômica que também recebeu estímulo da instabilidade política provocada após o resultado das eleições em 2014. Nestas eleições de 2018, é notório o avanço conservador e a defesa de mais retrocessos nas políticas para as mulheres, que ganhou eco através da candidatura de Jair Bolsonaro. Este enquanto deputado federal votou a favor do corte de investimentos em educação, saúde e segurança através da Emenda Constituicional nº 95, votou a favor da reforma trabalhista que entre as perdas aos trabalhadores merece destaque o dispositivo que permite o trabalho insalubre para grávidas e lactantes, foi contra a lei das domésticas e está há quase 30 anos no congresso nacional sem apresentar um projeto sequer de defesa de direitos às mulheres ou de combate à corrupção, que o mesmo propaga ser o grande defensor. 

Além disso, ele defende a diferença salarial entre homens e mulheres pelo fato das mulheres engravidarem, é favorável a redução do tempo da licença maternidade e afirmou que seus filhos não casariam com uma mulher negra por terem sido “bem educados”. Como se não bastasse, seu discurso tem gerado uma onda de violência provocada por seus seguidores que sentem-se legitimados a cometer crimes de intolerância pelo discurso de seu candidato, como exemplo os casos de estupro de mulheres que não concordam com o posicionamento deste candidato, o assassinato de uma travesti à facadas em São Paulo aos gritos de “Bolsonaro” e “Ele sim”, grupos neonazistas que afloram principalmente no eixo sul/sudeste, e a violência da retórica que representa esta candidatura às mulheres negras.

Mas afinal, o que é o fascismo? Por que a candidatura de Bolsonaro é considerada fascista e ameaça as mulheres negras?

O fascismo é um movimento político, econômico e social. Ele se desenvolveu em alguns países europeus no período após a Primeira Guerra Mundial. Principalmente naqueles que enfrentavam graves crises econômicas, como a Itália e a Alemanha. Entre as principais características desse sistema estão a concentração do poder nas mãos de um único líder, o uso da violência e o imperialismo.

Segundo o filósofo e historiador Norberto Bobbio, o termo fascismo se refere principalmente à sua dimensão histórica. Esta, constituída pelo fascismo italiano e posteriormente pelo fascismo alemão. Na Alemanha, no período após o fim da Primeira Guerra Mundial, surge um regime autoritário bastante conhecido, que compartilhou diversas características do fascismo. Esse regime é o nazismo, que teve como principal líder Adolf Hitler. A ditadura de Hitler teve como principais características a militarização da sociedade alemã, a exaltação do líder e o controle através da intensiva máquina de propaganda, que utilizava os meios de comunicação para disseminar as ideias nazistas.

As características principais do nazismo são apresentadas na obra Mein Kampf, escrita por Hitler durante seu período na prisão. Uma das suas mais conhecidas medidas foi o antissemitismo, marcado pela visão racista e eugenista da superioridade do homem branco germânico, a chamada raça ariana. Essa visão resultou na morte de mais de 6 milhões de pessoas em campos de concentração, a grande maioria formada por judeus. 

Simone de Beauvoir elenca as características de opressão às mulheres com os movimentos fascistas/nazistas, como: -Valorização extrema do ser masculino e suas características, como um nacionalismo, mas aplicado aos sexos/gêneros; -  Culto à força física, enaltecendo os homens e suas “capacidades”, consequente controle, abuso e violência contra as mulheres; -Censura, como silenciamento das mulheres;-  Antidemocrático, o poder concentrado nas mãos dos homens enquanto classe; -  Violência, ódio à mulher e ao que ela representa, misoginia.

Ela afirma também que basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Conforme avança o fascismo, as mulheres são as primeiras a terem seus direitos roubados, principalmente negras. Somos as primeiras a perderem os empregos, a violência contra a mulher aumenta, assim como o feminicídio. O fascismo matou diversas mulheres ao longo da história, a exemplo das irmãs Mirabal, Olga Benario e, mais recentemente, Marielle Franco.

A exaltação de grupos sociais em detrimento de outros é marca do discurso de diversos seguidores de Jair Bolsonaro, que prega o ódio aos homossexuais, negros, mulheres e nordestinos, desta forma as mulheres negras entram na mira da discriminação pelo racismo, machismo, além da perda de direitos conquistados com muita luta.

Precisamos dizer não ao avanço de ideias retrógradas, preconceituosas e violentas, tomarmos posição em defesa da democracia, pela pluralidade de ideias, preservando a liberdade de expressão e a legalidade de reivindicar direitos. Por isso, devemos derrotar Bolsonaro nas urnas para que possamos seguir na luta por avanços e direito das mulheres! Vamos votar em Haddad & Manu 13 para que possamos retomar as políticas e ações em defesa dos direitos das mulheres, em especial as mulheres negras, lutando não só pela garantia e permanência das mesmas, mas pelo avanço necessário para proteção das camadas mais fragilizadas da sociedade brasileira.

A luta contra o fascismo não termina nas eleições, precisamos ampliar nossas mobilizações nos bairros, universidades, escolas e locais de trabalho. Somente a organização das trabalhadoras e trabalhadores, das mulheres, da juventude, será capaz de destruir esse sistema que nos mata todos os dias.

#EleNão #BolsonaroNão #HaddadeManuSim #PelaDemocraciaVote13


Fontes:
http://pretadoidaescreve.blogspot.com/2018/07/dia-da-mulher-negra-latino-americana-e.html
http://nosmulheresdaperiferia.com.br/noticias/trabalho-domestico-mulheres-negras-sao-a-maioria-na-categoria-e-tem-os-piores-salarios/
https://www.politize.com.br/fascismo-entenda-o-conceito-2/

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Resumo: O segredo da acumulação primitiva - Marx

Segue resumo do 1º capítulo da obra de Karl Marx: A origem do capital: A acumulação primitiva. 2ª Ed. São Paulo: Centauro, 2014. Elaborei na ocasião em que cursei a disciplina Sociologia I - Marx na faculdade de ciências sociais da UFPA, ministrado pela maravilhosa Profª Zuleide Pontes.

O segredo da Acumulação Primitiva

No primeiro capítulo desta obra, Karl Marx inicia o texto com a definição de mais-valia, pois define que a acumulação capitalista supõe a existência da mais-valia, e esta, a da produção capitalista que, por sua vez, não se pode realizar enquanto não se encontram acumuladas, nas mãos dos produtores-vendedores, massas consideráveis de capitais e de forças operárias. Este movimento ele coloca como círculo vicioso que não se pode sair sem se admitir uma acumulação primitiva anterior à acumulação capitalista, a “previous acumulations” segundo Adam Smith.

Faz o comparativo desta acumulação primitiva e seu desempenho na economia política ao pecado original na teologia, o pecado surgiu por uma aventura onde podemos ver como e porque o homem foi condenado pelo Senhor a ganhar seu pão do suor do seu rosto, mas a do pecado econômico preenche uma lamentável lacuna revelando-nos como e porque há homens que escapam a esta ordem do Senhor, pois ganham seu pão do suor do rosto alheio. 

Marx descreve o processo de acumulação primitiva baseado nos anais da história real, em que sempre prevaleceu a conquista, a dominação, a rapina à mão armada, o predomínio da força bruta, como a tomada de terras e propriedades rurais de populações originárias. Faz a crítica também aos preconceitos burgueses imbuídos nos livros de história e a diferença da definição deste processo contido no que ele descreve como manuais beatos de economia política, onde reina o idílio, onde nunca houve outros meios de enriquecimento senão o trabalho e o direito. Desta forma, ele faz uma leitura crítica dos acontecimentos para definir o surgimento da acumulação capitalista.

Para facilitar o entendimento, discorre sobre os diferentes atores no sistema capitalista, colocando por exemplo que a relação oficial entre o capitalista e o assalariado é de caráter puramente mercantil e que a essência do sistema capitalista está na separação radical entre o produtor e os meios de produção e vai se acentuando na medida que o sistema se estabelece. Assim, para que o sistema capitalista viesse ao mundo foi necessário que os meios de produção já tivessem sido arrancados sem discussão aos produtores por meio da força, e esta ordem econômica surge das entranhas da ordem econômica feudal. A dissolução de uma produziu os elementos constitutivos da outra.

Por fim, coloca que a base de toda a evolução é a expropriação dos cultivadores e que ocorreu de forma mais radical na Inglaterra, e os outros países da Europa ocidental percorrem o mesmo movimento. Na história da acumulação primitiva, faz época toda revolução que serve de alavanca ao avanço da classe capitalista em vias de formação sobretudo aquelas que, despojando as grandes massas de seus meios de produção e de existência tradicionais, as lançam de improviso no mercado de trabalho, haja visto que sem seus meios de produção se vêem obrigados a vender o único bem que restou, que é sua força de trabalho. E acrescenta que a história dessa expropriação está escrita nos anais da humanidade com letras indeléveis de sangue e fogo.

A expropriação da população primitiva

Neste capítulo o autor descreve o processo de expropriação da população primitiva na Inglaterra, onde a servidão tinha desaparecido de fato nos fins do século XIV. No século XV a imensa maioria da população era composta de camponeses livres e neste tempo a prosperidade das cidades tomou um grande impulso, atingindo um estado de abundância. Porém esta riqueza do povo excluía a riqueza capitalista.

Ao final do século XV e início do século XVI veio a revolução que ia lançar os primeiros fundamentos do regime capitalista, o licenciamento da numerosa criadagem senhorial que lançou de improviso, no mercado de trabalho, uma massa de proletários sem lar nem pão. O poder real, saído ele próprio do desenvolvimento burguês, foi levado a ativar esse licenciamento por medidas violentas, usurpando os bens comunais de camponeses e expulsando-os do solo que estes possuíam com o mesmo direito que seus senhores. O principal motivo foi a expansão das manufaturas de lã em Flandres e a alta dos preços de lã, que incentivou a transformação das terras de cultivo em pastos.

Esse processo de expropriação desolou o país e atemorizou o Parlamento, pois resultou num declínio da população, seguido da decadência de muitas vilas e igrejas e de uma diminuição dos dízimos. Através de lei de Henrique VII, que proibia a demolição de toda casa de camponês a que correspondessem pelo menos vinte acres de terra, foi o remédio encontrado para dar limite a esta expropriação, assegurando uma porção de terra suficiente para proporcionar aos indivíduos o gozo de um decente bem estar e condição não servil. Mas o sistema de produção capitalista precisava, ao contrário, da condição servil das massas, sua transformação em mercadoria e a conversão dos seus meios de trabalho em capital.

O novo impulso à expropriação violenta do povo no século XVI veio com a Reforma e confiscação dos bens da Igreja, que era proprietária feudal da maior parte do solo inglês. Os bens do próprio clero caíram nas garras dos favoritos reais e foram vendidos a preços ridículos a burgueses e arrendatários especuladores, que expulsaram os antigos colonos hereditários. O direito de propriedade dos camponeses pobres sobre uma parte dos dízimos dos eclesiásticos foi tacitamente confiscado.

Chegou ao poder o herói burguês Guilherme III, através da revolução gloriosa, e inauguraram a nova era com uma delapidação verdadeiramente colossal do tesouro público. Os domínios do Estado, roubados até esta data com moderação, foram então extorquidos à viva força do rei adventício com compensações devidas aos seus antigos cúmplices, ou vendidos a preços irrisórios, anexados a propriedades privadas. Esta foi a base de poder da atual oligarquia inglesa, os burgueses capitalistas favoreciam a operação com o fim de fazer da terra um artigo de comércio, de aumentar sua reserva de proletários do campo, etc.

A nova aristocracia latifundiária era aliada natural da nova bancocracia, da alta finança, recentemente nascida, e das grandes manufaturas, então fatores do sistema protecionista. Seus atos de rapina se prolongaram para além do século XVI e no século XVIII a própria lei se torna objeto de espoliação, o que, por outro lado, não impediu que os grandes arrendatários recorressem a outros recursos particulares, extralegais.

A forma parlamentar do roubo é de “leis sobre fechamento das terras comunais”, reduzindo o cultivo, fazendo subir o preço das subsistências e conduzindo ao despovoamento. A situação das classes inferiores do povo piorou sob todos os aspectos, os pequenos arrendatários e proprietários foram reduzidos a situação de jornaleiros e mercenários, e ao mesmo tempo, nessas condições, lhes é mais difícil ganhar o sustento.

Marx segue descrevendo o mesmo processo em terras da Escócia e em rodapé a situação na Alemanha, e encerra o capítulo resumindo que os despojos dos bens da Igreja, a alienação fraudulenta dos domínios do Estado, a pilhagem dos terrenos comunais, a transformação usurpadora e terrorista da propriedade feudal e mesmo a patriarcal, em propriedade privada moderna, a guerra às cabanas, foram os processos idílicos da acumulação primitiva. Conquistaram a terra para a agricultura capitalista, incorporaram o solo ao capital e entregaram à indústria das cidades os braços dóceis de um proletariado sem lar nem pão.