Este texto é um desabafo, então peço carinho na sua leitura. Foram meses, talvez anos me queixando sozinha
por não ter um afeto decente, e mesmo passando a compreender os motivos
que me levam a estar assim, isso não deixava de ser triste. Aí mora o perigo, pois muitas vezes a
carência nos leva a caminhos muito tortuosos... mulher negra, livre, não mono então, nem se fala! Parece território de
ninguém! Minha carne é a mais barata, não merece valor, nem respeito. Já chorei muito por isso, quero tentar não mais.
Quando começou o isolamento
social por conta da pandemia de covid-19, pensei: Agora sim! Vou amargar ainda mais essa minha condição de
solidão! Porque sem quarentena já tava ruim de arrumar algum afeto, imagina
agora? Mas essa foi só uma das várias angústias do confinamento, pensar em não
poder ver minha filha sabe lá até quando e no caos social que se aproxima,
genocídio da população pobre em nosso país, aumento do desemprego e pobreza,
com certeza me consumiram muito mais!
Mas passado esse primeiro impacto
de susto com o novo e tentando me adequar à rotina de poucos contatos físicos,
me veio esse momento de mais serenidade, de deixar o barco correr e não sofrer
por antecipação. Tentar aproveitar bem o que tenho e viver cada momento com
qualidade, mesmo que seja dentro de casa o tempo inteiro. Hoje as redes sociais
nos aproximam muito mais, inclusive são elas agora responsáveis
por grande parte de nosso contato. Comentava com minha comadre que se ela
morasse aqui em Belém agora eu iria falar com ela da mesma maneira como estou
agora falando com ela na Itália, que aprendemos de bem antes da quarentena a lidar
com as distâncias e mantermos vivo nosso afeto. Então chega o momento de usufruir
dessa vantagem e não somente demonizar as redes, pois como tudo na vida, se não
soubermos dar um limite, acaba sendo nocivo.
Tempo para refletir e escrever,
isso tem sido maravilhoso! Estudar, ler mais, estudar da forma que eu queria e
não conseguia, e que me frustrava tanto por não conseguir. Nessas reflexões e
estudos, passei a olhar mais pra dentro de mim e agora pra essa tristeza por falta de
afetos, ressaltando que de afetos não falo só de família e amizade, essas estão
comigo sempre, com pandemia ou sem pandemia, perto ou longe, bem como dariam um
outro texto, mas sim dos afetos e relações que envolvem sexo. Sexo sempre nos
foi colocado como pecado, algo sujo, proibido, errado ou também como algo muito
íntimo, intenso, que só pode acontecer com quem “merece” ou que é necessário manter
“fidelidade” com quem se faz sexo para haver respeito, enfim, essas lógicas
moralizantes e monogâmicas que sempre vão dar em tretas. Inclusive a vida
sexual é uma das problemáticas desse momento, por impulso meu de gostar demais de sexo, no começo pensei que isso seria um problema muito maior para quem está
sem um relacionamento fixo como eu, mas quem tem seus namoros, casamentos,
casos e acasos também estão encontrando seus problemas. Tomara que todos
busquem e tenham chance de buscar os melhores caminhos, assim como eu estou
aqui refletindo sobre os meus afetos.
E sobre eles eu fico aqui lembrando dos fracassos, do quanto já me fudi na vida e mesmo assim insisto em me inserir em
relações que vou me fuder, pelo simples fato de querer me apaixonar, de sentir
paixão, como se fosse uma adicção querer viver esse estado. Ou não, talvez também só vontade mesmo de ter relações bacanas, recíprocas, amorosas, todas nós buscamos. Mas chega um
momento que a gente já coleciona tantas feridas que é melhor repensar os
caminhos desses vícios e carências. Nós mulheres estamos suscetíveis à violência nesta sociedade machista e somos submetidas a diversos abusos, precisamos sempre nos defender, infelizmente. As leituras sobre solidão da mulher negra passaram a fazer todo o sentido e elas também me auxiliam na busca de minorar e não me culpar por essas frustrações.
Mas como defesa, penso que preciso saber aproveitar o que
tenho e o que recebo, sem precisar ter que me dar demais pra receber algo, ou
por vezes nada. Quero levar tudo na mesma medida, se não tem afeto, não tem, se
tem cuidado, atenção e me dá, eu dou. E ser for demais, bem, se for muito, já
fico um pouco nervosa, porque o que é demais me abusa também!
E com o passar dos dias acredito
que todos foram também repensando seus afetos, e alguns até surgiram,
afetos que eram desafetos, afetos que estavam se construindo, afetos que eu julgava
ter ficado no passado. Sinal de que pelo menos algo de bom eu deixei
pra ser reconsiderada neste momento, e que ótimo! Como se a vida desse outra
chance pra fazer as coisas melhores, curtir coisas boas, mesmo na distância, não se sabe até quando. E por mais que eu saiba que fui ferida muitas vezes, também tenho consciência da minha responsabilidade por ter chegado a certos momentos, sem tornar isso uma autoculpabilização, sem desconsiderar o contexto de opressão a que estou submetida. A necessidade do momento em
não fazer a rancorosa, me abrir um pouco, relaxar, aproveitar, mas sem perder a noção, ter limites.
Importante encontrar esse ponto
de equilíbrio para se preservar e evitar as mágoas também, eu poderia ter
evitado algumas, inclusive. Sei que não ficarei imune de escrotices eventuais,
mas agora vou procurando ser mais ciente dos terrenos onde piso, ter certeza e não perder de vista o que eu quero e o que o outro quer, essa falta de diálogo e honestidade sobre os quereres nos leva a criar falsas
expectativas. Tentar desconstruir um pouco dessa “Disney” de romance que
constroem na cabeça das mulheres e que são responsáveis também por essas
expectativas, de saber amar e curtir os afetos cada um no seu tempo e na sua
medida, sem exageros, com tranquilidade. Esse tempo de caos pede serenidade
para o enfrentamento, pra nossa saúde mental, afetiva, em saber aproveitar o
que se apresenta, sem angústia de futuro, cada vez mais foco no presente, nesse
dia, nesse agora, com a certeza de que nada é eterno, inclusive os afetos, que
podem virar sim desafetos se o entendimento não for possível, isso é normal,
não é o fim, é o que tem pro momento. Pode ser até que isso mude, ou não, mas
não precisa mais consumir minha existência!
Que venha cada dia, único como
deve ser, não preciso também perder a intensidade, pelo contrário, eu posso
ressignificá-la a ponto de não me machucar e seguir bem. Minha intensidade está
aqui, no que faço, no que penso, no que ajo. Não existe felicidade plena
somente nesses afetos, existe também a felicidade de estar aqui em paz, sozinha
em casa, podendo curtir demasiadamente e sem interrupções a mulher que sou
hoje. Quero ser melhor pra mim, mais sagaz, inteligente, talentosa, gostosa, madura
e vou me dedicar a isso seguindo minhas leituras feministas, meus estudos em
ciência política, cuidando melhor da saúde, do meu corpo, da estética, enfim, de minha auto estima, que vejo como determinante nessas questões de humilhação por afetos. Há
um mundo de ferramentas que posso lançar mão pra isso, e tenho consciência dos pequenos
privilégios que tenho e que me permitem isso. Quero ser melhor não mais pros
outros, deixar um pouco de me entregar loucamente à luta contra as opressões que não incomodam
só a mim, mas o coletivo. Quero seguir pensando no coletivo, mas cuidando mais
de mim, e ganhando carinho dos meus afetos, porque não? Se tem, eu vou querer!
Mas me dando na mesma medida. E se não tem, não vou mais sofrer!
Só o que me entristece por agora é não saber quando isso tudo vai acabar e poder ficar com minha filha, mas vou distraindo a mente por aqui e por acolá pra não pensar nisso. Agradeço a quem me ajuda!
Só o que me entristece por agora é não saber quando isso tudo vai acabar e poder ficar com minha filha, mas vou distraindo a mente por aqui e por acolá pra não pensar nisso. Agradeço a quem me ajuda!
Essa vida
Ora um sopro
Por vezes longínqua
Num caminho nunca eterno
Sem volta
Sofrida
Mas que alegria te dá
Na beleza das coisas simples
Que a gente saiba te valorizar
Vida.
2 comentários:
Tudoooo ♥️
Quero que saia uma livro ♥️
Querida! É bem isso! Compartilho dessa introspecção e autoconhecimento! Tudo isso vai passar e vamos sair muito diferentes! Nos valorizando mais e com certeza com uma visão mais nítida!
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