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segunda-feira, 4 de maio de 2020

O verdeamarelismo e a copa do mundo no Brasil - Marilena Chauí

Esse é um dos meus primeiros escritos do curso de Ciências Sociais, fiz na disciplina "Formação Social e Econômica do Brasil", 1º semestre de 2014, com base no texto maravilhoso da Marilena Chauí, "O verdeamarelismo", que compõe sua obra "Brasil - Mito fundador e sociedade autoritária". Estava gestante e logo no comecinho do curso já fui experimentar os empecilhos da maternidade numa sociedade machista até para fazer uma graduação em CS, que inclui ter o conceito rebaixado por causa da frequência, mesmo que explicando e implorando sobre os motivos, eu tive que passar por isso. Era ano de copa do mundo no Brasil, do 7 x 0, e eu também levei minha pisa por ser uma mulher grávida!


O verdeamarelismo e a Copa do Mundo no Brasil 

Em 2014, Brasil, o país do futebol sedia o evento que todo o país acompanha como devoção, a Copa do Mundo. São milhões de brasileiros que se mobilizam, mergulham no verde-e-amarelo muito mais do que nas datas cívicas para louvar sua amada nação, abençoada por Deus e bonita por natureza. O que podemos analisar e relacionar de um esporte com os conceitos de pátria e nação? 

Podemos começar compreendendo que o verdeamarelismo deste período tem caráter ideológico. As relações sociais e a história vem dar luz à ideologia e Marilena Chauí teoriza desta forma, afirmando que a história é práxis (modo de agir no qual o agente, sua ação e o produto de sua ação são termos intrinsecamente ligados e dependentes uns dos outros). Assim, a história é o real e o real é o movimento pelo qual os homens, em condições que nem sempre foram escolhidas por eles, instauram um modo de sociabilidade e procuram fixá-lo em instituições determinadas (família, condições de trabalho, relações políticas, instituições religiosas, etc.). Além disso produzem idéias ou representações pelas quais procuram explicar e compreender sua própria vida individual, social, suas relações com a natureza e com o sobrenatural. Essas idéias ou representações, no entanto, tenderão a esconder dos homens o modo real como suas relações sociais foram produzidas e a origem das formas sociais de exploração econômica e de dominação política. Esse ocultamento da realidade social chama-se ideologia. 

Através da Copa do Mundo, que surge no início do século XX, consegue-se com facilidade implantar a ideologia da “questão nacional” devido tratar-se de uma competição que envolve bandeiras nacionais, bandeiras estas que Marilena Chauí em sua obra “Brasil Mito Fundador e Sociedade Autoritária” denomina como semióforos. Estes semióforos surgem justamente da necessidade do poderio econômico, mais especificamente o liberalismo, desenvolver um mecanismo de dominação dos povos, obtendo lealdade dos mesmos dentro de um determinado território. 

Neste caso, a ideologia da questão nacional é fruto da classe dominante brasileira que a coloca como imagem celebrativa do “país essencialmente agrário” que buscava legitimar o que restara do período colonial e a hegemonia dos grandes proprietários de terra. Quando esta classe falava em “progresso” pensava diretamente no avanço das atividades agrárias e extrativas. Esta é vista como o primeiro processo ideológico de nacionalismo no Brasil. 

A partir da década de 50 se inicia o processo de industrialização do país, dando lugar à uma nova ideologia, a do nacionalismo desenvolvimentista caracterizado pela chegada da burguesia industrial, dando destaque ao ano de 1958, governo Juscelino kubsticheck. Não à toa as marchinhas da seleção brasileira bradavam o famoso “pra frente Brasil” cantado até os dias atuais. 

Este período corresponde ao momento de transição da ideologia do “caráter nacional” para a da “identidade nacional”. Esta transição para o nacional-desenvolvimentismo ocorre também em transição da “dependência consentida” para a “dependência tolerada”, que de acordo com Marilena Chauí é “quando a classe dominante, dependendo dos países centrais industrializados para obter equipamentos, tecnologias e financiamentos, julga essa situação essencialmente provisória, a ser superada tão logo a industrialização fizesse a economia emparelhar como a mais adiantada”. Deste modo, é possível ver que seria necessário o desmonte do verdeamarelismo, porém posteriormente de forma difusa e ambígua o mesmo permaneceu. 

Ficou difícil este desmonte devido também da apropriação pela indústria do turismo que trabalhou o café, futebol e carnaval made in Brazil. Além disto, a industrialização não emplaca como carro-chefe da economia brasileira como economia capitalista desenvolvida e independente. 

No Estado Novo surge a luta contra a dispersão e a fragmentação do poder das oligarquias estaduais, e como instrumento foi instalada a obrigatoriedade do culto à bandeira e ao hino nacional nas escolas de todos os graus em paralelo a queima das bandeiras estaduais. 

Na era Vargas, surge a necessidade de incorporar a luta de classes no ideário da questão nacional, assumindo que não há lugar para a luta de classes e sim para a cooperação e colaboração entre capital e trabalho sob vigilância do Estado. Desta forma, ao passo que admite a existência da classe trabalhadora, busca neutralizar os riscos de ação política desta classe através da legislação trabalhista e da figura do governante como “pai dos pobres”. 

A festa brasileira em torno da Copa do Mundo passa a ser entendida como ação do Estado, ganhando caráter de festa cívica, devido a ação deliberada do Estado na promoção da imagem verdeamarela. 

Como forma de manter o status quo da classe dominante, o Estado com a ideologia da questão nacional trabalha o verdeamarelismo sobre a base da ação criadora de Deus e da natureza: as cores da bandeira nacional nos remetem ao Brasil-natureza, um país com recursos próprios em abundância, portanto com grandes perspectivas de desenvolvimento capital e trabalho para o mercado interno. 

Ou seja, nossa bandeira não reflete a história de nosso país, diferente das bandeiras de outras nações que possuem cunho histórico e remetem às revoluções. Nosso histórico de colônia de exploração devido à abundância de recursos naturais e herança cultural de nossa colonização é facilmente escamoteada como algo divino, abençoado, positivo aos olhos da população. 

Neste período que segue com a ditadura, o verdeamarelismo é reforçado por conta das três principais tarefas que o regime determina, que é a integração nacional, a segurança nacional e o desenvolvimento nacional. O Brasil, grande em seu território, busca através da identidade nacional reforçar suas fronteiras e unificar, e nada como o forte sentimento de nação unida durante a Copa do Mundo para corroborar neste processo. Para isto, o regime se utiliza dos meios de comunicação em massa, através de programas televisivos, de rádio com “A hora do Brasil” e do Mobral, que vinha com o objetivo de destruir o Método Paulo Freire de Alfabetização. 

Podemos observar então a ambigüidade do verdeamarelismo, que por um lado coloca o país como detentor de grandes riquezas e de outro a necessidade de crescimento, desenvolvimento econômico. Nasce então a perspectiva de três sujeitos na cão do verdeamarelismo: Deus e a natureza de um lado e de outro o Estado como grande vetor e responsável pelo desenvolvimento ou não do país. A identidade do Brasil é estabelecida então pelo atraso, pelo subdesenvolvimento. 

Como na atualidade nosso país é visto como “país emergente” em pleno desenvolvimento, a ideia de identidade nacional parece pertencer ao passado, perdendo assim o sentido. Hoje toma corpo o discurso de ação dos direitos civis, do multiculturalismo, do direito à diferença e a prática econômica neoliberal tirou de cena as nacionalidades, que tem somente relevância em países que não tem muito peso em termos de poderes econômicos e políticos. 

Por conta disso, vemos o peso e a importância do respeito entre os povos, em que as seleções possuem jogadores com diferenças étnicas latentes, e rapidamente torna-se polêmico o racismo dentro do futebol, como vivenciamos recentemente nesta Copa do Mundo de 2014 em que o jogador italiano por ser negro sofreu preconceito dos torcedores de seu país por não considerá-lo italiano devido sua cor. 

Apesar de parecer pertencer ao passado as questões de identidade nacional e o discurso ufanista não fazer mais sentido, situações como esta revelam como ainda é forte a herança de uma campanha nacionalista sobre a população. E voltando ao Brasil, podemos observar no ano de 2013 os símbolos que surgiram durante as manifestações que tomaram conta das ruas em Junho. 

Diferente das manifestações capitaneadas pelos movimentos sociais, as conhecidas “manifestações de junho” carregavam muitos elementos nacionalistas que foram abordados até agora, multidões com bandeiras do Brasil, cantando o hino nacional e reivindicando um país melhor, ficaram muito evidentes os elementos utilizados pelo Estado no período da ditadura para manter a “ordem e o progresso” no país. 

Outro aspecto que se assemelha com o período de fortalecimento da identidade nacional foi o papel da mídia na divulgação e promoção dos atos nas ruas. Foi através dos meios de comunicação de massa, televisão, rádio e agora mais recentemente a internet, que a população tomou conhecimento inclusive dos horários e trajetos das manifestações, mobilizando desta forma a população para encher as avenidas. 

O estopim do movimento foi o aumento da tarifa do ônibus em São Paulo que sofria reivindicação dos movimentos sociais, porém o período em que ocorreu, próximo à Copa das Confederações nos dá o sinal de que os protestos viriam contra a Copa do Mundo de 2014, que diante dos vultosos gastos massificados pela mídia teriam o intuito de atacar o governo, de um partido de oposição a ordem política que vinha se mantendo no país, e por conta do ideário do Estado como sujeito do desenvolvimento do país, herança cultural que carregamos do período nacionalista, é que se pode concluir que o alvo seria o governo brasileiro. 

Percebemos um refluxo no clima para a Copa do Mundo no Brasil, porém não somente pelos protestos de 2013, mas sim pelo que foi abordado sobre o sistema político econômico vigente que não considera mais o nacionalismo com tanta relevância. Além disto, a Copa do Mundo capitaneada pela FIFA ganha nova configuração com o sistema capitalista, tornou-se muito mais que elemento de dominação dos povos pelo território, a dominação é mercadológica, de consumo, e portanto o evento não pode sofrer impactos sob o risco de prejudicar os lucros do empreendimento. 

A grande mídia, que pertence a poucas famílias com grande poderio econômico, teve que baixar guarda da ofensiva contra o governo, pois é mantida também com os lucros que hoje também o negócio Copa do Mundo rende. Portanto, verificamos que as relações de poder modificaram sua forma de atuação, mas permanecem com o mesmo objetivo de outrora: a manutenção da propriedade e lucros das classes dominantes. 

Ou seja, o ganho de consciência que poderíamos comemorar da população brasileira por ter se levantado à ordem em forma de protestos acaba se tornando frustrado ao avaliarmos que essa mesma massa foi levada por mecanismos tão retrógrados como o do nacionalismo do início e metade do século XX, além de nos colocar em alerta sobre a facilidade destes mecanismos de ordem muitas vezes fascista ainda repercutir de forma tão rápida e assustadora, denotando o quanto o brasileiro desconhece sua história.

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