O segredo da Acumulação Primitiva
No primeiro capítulo desta obra, Karl Marx inicia o texto com a definição de mais-valia, pois define que a acumulação capitalista supõe a existência da mais-valia, e esta, a da produção capitalista que, por sua vez, não se pode realizar enquanto não se encontram acumuladas, nas mãos dos produtores-vendedores, massas consideráveis de capitais e de forças operárias. Este movimento ele coloca como círculo vicioso que não se pode sair sem se admitir uma acumulação primitiva anterior à acumulação capitalista, a “previous acumulations” segundo Adam Smith.
Faz o comparativo desta acumulação primitiva e seu desempenho na economia política ao pecado original na teologia, o pecado surgiu por uma aventura onde podemos ver como e porque o homem foi condenado pelo Senhor a ganhar seu pão do suor do seu rosto, mas a do pecado econômico preenche uma lamentável lacuna revelando-nos como e porque há homens que escapam a esta ordem do Senhor, pois ganham seu pão do suor do rosto alheio.
Marx descreve o processo de acumulação primitiva baseado nos anais da história real, em que sempre prevaleceu a conquista, a dominação, a rapina à mão armada, o predomínio da força bruta, como a tomada de terras e propriedades rurais de populações originárias. Faz a crítica também aos preconceitos burgueses imbuídos nos livros de história e a diferença da definição deste processo contido no que ele descreve como manuais beatos de economia política, onde reina o idílio, onde nunca houve outros meios de enriquecimento senão o trabalho e o direito. Desta forma, ele faz uma leitura crítica dos acontecimentos para definir o surgimento da acumulação capitalista.
Para facilitar o entendimento, discorre sobre os diferentes atores no sistema capitalista, colocando por exemplo que a relação oficial entre o capitalista e o assalariado é de caráter puramente mercantil e que a essência do sistema capitalista está na separação radical entre o produtor e os meios de produção e vai se acentuando na medida que o sistema se estabelece. Assim, para que o sistema capitalista viesse ao mundo foi necessário que os meios de produção já tivessem sido arrancados sem discussão aos produtores por meio da força, e esta ordem econômica surge das entranhas da ordem econômica feudal. A dissolução de uma produziu os elementos constitutivos da outra.
Por fim, coloca que a base de toda a evolução é a expropriação dos cultivadores e que ocorreu de forma mais radical na Inglaterra, e os outros países da Europa ocidental percorrem o mesmo movimento. Na história da acumulação primitiva, faz época toda revolução que serve de alavanca ao avanço da classe capitalista em vias de formação sobretudo aquelas que, despojando as grandes massas de seus meios de produção e de existência tradicionais, as lançam de improviso no mercado de trabalho, haja visto que sem seus meios de produção se vêem obrigados a vender o único bem que restou, que é sua força de trabalho. E acrescenta que a história dessa expropriação está escrita nos anais da humanidade com letras indeléveis de sangue e fogo.
A expropriação da população primitiva
Neste capítulo o autor descreve o processo de expropriação da população primitiva na Inglaterra, onde a servidão tinha desaparecido de fato nos fins do século XIV. No século XV a imensa maioria da população era composta de camponeses livres e neste tempo a prosperidade das cidades tomou um grande impulso, atingindo um estado de abundância. Porém esta riqueza do povo excluía a riqueza capitalista.
Ao final do século XV e início do século XVI veio a revolução que ia lançar os primeiros fundamentos do regime capitalista, o licenciamento da numerosa criadagem senhorial que lançou de improviso, no mercado de trabalho, uma massa de proletários sem lar nem pão. O poder real, saído ele próprio do desenvolvimento burguês, foi levado a ativar esse licenciamento por medidas violentas, usurpando os bens comunais de camponeses e expulsando-os do solo que estes possuíam com o mesmo direito que seus senhores. O principal motivo foi a expansão das manufaturas de lã em Flandres e a alta dos preços de lã, que incentivou a transformação das terras de cultivo em pastos.
Esse processo de expropriação desolou o país e atemorizou o Parlamento, pois resultou num declínio da população, seguido da decadência de muitas vilas e igrejas e de uma diminuição dos dízimos. Através de lei de Henrique VII, que proibia a demolição de toda casa de camponês a que correspondessem pelo menos vinte acres de terra, foi o remédio encontrado para dar limite a esta expropriação, assegurando uma porção de terra suficiente para proporcionar aos indivíduos o gozo de um decente bem estar e condição não servil. Mas o sistema de produção capitalista precisava, ao contrário, da condição servil das massas, sua transformação em mercadoria e a conversão dos seus meios de trabalho em capital.
O novo impulso à expropriação violenta do povo no século XVI veio com a Reforma e confiscação dos bens da Igreja, que era proprietária feudal da maior parte do solo inglês. Os bens do próprio clero caíram nas garras dos favoritos reais e foram vendidos a preços ridículos a burgueses e arrendatários especuladores, que expulsaram os antigos colonos hereditários. O direito de propriedade dos camponeses pobres sobre uma parte dos dízimos dos eclesiásticos foi tacitamente confiscado.
Chegou ao poder o herói burguês Guilherme III, através da revolução gloriosa, e inauguraram a nova era com uma delapidação verdadeiramente colossal do tesouro público. Os domínios do Estado, roubados até esta data com moderação, foram então extorquidos à viva força do rei adventício com compensações devidas aos seus antigos cúmplices, ou vendidos a preços irrisórios, anexados a propriedades privadas. Esta foi a base de poder da atual oligarquia inglesa, os burgueses capitalistas favoreciam a operação com o fim de fazer da terra um artigo de comércio, de aumentar sua reserva de proletários do campo, etc.
A nova aristocracia latifundiária era aliada natural da nova bancocracia, da alta finança, recentemente nascida, e das grandes manufaturas, então fatores do sistema protecionista. Seus atos de rapina se prolongaram para além do século XVI e no século XVIII a própria lei se torna objeto de espoliação, o que, por outro lado, não impediu que os grandes arrendatários recorressem a outros recursos particulares, extralegais.
A forma parlamentar do roubo é de “leis sobre fechamento das terras comunais”, reduzindo o cultivo, fazendo subir o preço das subsistências e conduzindo ao despovoamento. A situação das classes inferiores do povo piorou sob todos os aspectos, os pequenos arrendatários e proprietários foram reduzidos a situação de jornaleiros e mercenários, e ao mesmo tempo, nessas condições, lhes é mais difícil ganhar o sustento.
Marx segue descrevendo o mesmo processo em terras da Escócia e em rodapé a situação na Alemanha, e encerra o capítulo resumindo que os despojos dos bens da Igreja, a alienação fraudulenta dos domínios do Estado, a pilhagem dos terrenos comunais, a transformação usurpadora e terrorista da propriedade feudal e mesmo a patriarcal, em propriedade privada moderna, a guerra às cabanas, foram os processos idílicos da acumulação primitiva. Conquistaram a terra para a agricultura capitalista, incorporaram o solo ao capital e entregaram à indústria das cidades os braços dóceis de um proletariado sem lar nem pão.
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