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segunda-feira, 2 de julho de 2018

Resumo: Os intelectuais e a organização da cultura - Gramsci

Fiz este resumo em 2016 quando cursei a disciplina Sociologia I com a Profª Zuleide Pontes, sendo um resumo pessoal auxiliar aos meus estudos, sem alto rigor das normas da ABNT. Foi passado somente a primeira parte do livro "Os intelectuais e a organização da cultura", de Antônio Gramsci, seção intitulada "A formação dos intelectuais". Como o resumo abaixo é somente um aperitivo às ideias do filósofo italiano, disponibilizo também link da obra completa na figura:


A formação dos intelectuais
A obra se inicia definindo quem são os intelectuais, de onde são e como se formam, problematizando através do questionamento se constituem um grupo social autônomo e independente ou se possuem sua própria categoria especializada. Conclui dizendo ser complexo o problema devido as várias formas que assumiu o processo histórico real de formação das diversas categorias intelectuais.
      Desta forma, destaca duas importantes formas: 1) Cada grupo social, nascendo no mundo originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, de modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no político. O empresário capitalista cria consigo o técnico da indústria, o cientista da economia política, o organizador de uma nova cultura, ele deve possuir certa capacidade técnica e de organizar a sociedade em geral, em todo seu complexo organismo de serviços, inclusive no estatal, em vista da necessidade de criar as condições mais favoráveis à expansão da própria classe. Os senhores feudais também eram detentores de uma capacidade técnica particular, a militar, que precisa ser analisada a parte, porém cabe observar que a massa de camponeses não elabora seus próprios intelectuais “orgânicos” embora outros grupos sociais extraiam dessa massa seus intelectuais.

  2) Cada grupo social “essencial” encontrou categorias intelectuais preexistentes, as quais apareciam como representantes de uma continuidade histórica que não fora interrompida nem mesmo pelas mais complicadas e radicais modificações das formas sociais e políticas. A mais típica destas é a dos eclesiásticos, que monopolizaram durante muito tempo alguns serviços importantes: a ideologia religiosa, isto é, a filosofia e a ciência da época, através da escola, da instrução, da moral, da justiça, da beneficência.
      A categoria dos eclesiásticos é a categoria intelectual organicamente ligada à aristocracia fundiária, que era juridicamente equiparada à aristocracia e com a qual dividia o exercício da propriedade feudal da terra e o uso dos privilégios estatais ligados à propriedade. Porém o monopólio das superestruturas pelos eclesiásticos não foi exercido sem luta e sem limitações, e foi-se formando a aristocracia togada.
    Outro questionamento está no campo dos limites “máximos” da acepção de “intelectual”. Se é possível criar um critério unitário para caracterizar igualmente todas as diversas e variadas atividades intelectuais, além de distingui-las ao mesmo tempo e de modo essencial dos outros agrupamentos sociais. Este responde dizendo que o erro metodológico mais difundido consiste em ter buscado este critério de distinção que é intrínseco às atividades intelectuais, ao invés de busca-lo no conjunto de sistema de relações no qual estas atividades se encontram, no conjunto geral das relações sociais.
  Em suma, todos os homens são intelectuais, mas nem todos os homens desempenham na sociedade a função de intelectuais. Enfatiza-se a distinção entre intelectuais e não intelectuais, que na realidade faz-se referência tão somente à imediata função social da categoria profissional dos intelectuais. Todo homem fora de sua profissão desenvolve uma atividade intelectual qualquer e portanto não se pode separar o homo faber do homo sapiens, é impossível falar de não-intelectuais porque estes não existem.
    O problema da criação de uma nova camada intelectual consiste em elaborar criticamente a atividade intelectual que existe em cada um em determinado grau de desenvolvimento, modificando sua relação com o esforço muscular-nervoso no sentido de um novo equilíbrio e conseguindo-se que o próprio esforço muscular-nervoso, enquanto elemento de uma atividade prática geral, que inova continuamente o mundo físico e social, torne-se o fundamento de uma nova e integral concepção de mundo. 
  Historicamente formam-se categorias especializadas para o exercício da função intelectual, formam-se em conexão com todos os grupos sociais, mas especialmente em conexão com os grupos sociais mais importantes, e sofrem elaborações mais amplas e complexas em ligação com o grupo social dominante. A escola é o instrumento para elaborar os intelectuais de diversos níveis, quanto mais extensa for a “área” escolar e quanto mais numerosos forem os “graus” “verticais” da escola, tão mais complexo será o mundo cultural, a civilização, de um determinado Estado.
  A relação entre os intelectuais e o mundo da produção não é imediata, como é o caso nos grupos fundamentais, mas é “mediatizada”, em diversos graus, por todo o contexto social, pelo conjunto das superestruturas, do qual os intelectuais são precisamente os “funcionários”. Por enquanto, pode-se fixar dois grandes “planos” superestruturais: o que pode ser chamado de “sociedade civil”, isto é, o conjunto de organismos chamados comumente de “privados” e o da “sociedade política ou Estado”, que correspondem à função de “hegemonia” que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e àquela de “domínio direto” ou de comando, que se expressa no Estado e no governo “jurídico”. Estas funções são precisamente organizativas e conectivas, os intelectuais são os “comissários” do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político. Esta colocação do problema traz, como resultado, uma ampliação muito grande do conceito de intelectual, mas somente assim torna-se possível alcançar uma aproximação concreta à realidade.
     No mundo moderno, a categoria dos intelectuais ampliou-se de modo inaudito, a formação em massa estandartizou os indivíduos, na qualificação intelectual e na psicologia, determinando os mesmos fenômenos que ocorrem em todas as outras massas estandartizadas: concorrência, desemprego, superprodução escolar, emigração, etc.
       O texto segue fazendo diferenciação entre os intelectuais de tipo urbano e de tipo rural. No primeiro cresceram juntamente com a indústria e são ligados às suas vicissitudes, não possuem nenhuma iniciativa autônoma na elaboração dos planos de construção, colocam em relação, articulando-a, a massa instrumental com o empresário, elaboram a execução imediata do plano de produção estabelecido pelo estado maior da indústria, controlando suas fases executivas elementares. Os de tipo rural são em sua maior parte “tradicionais”, ligados à massa social camponesa e pequeno-burguesa das cidades, ainda não elaborada e movimentada pelo sistema capitalista: este tipo de intelectual põe em contato a massa camponesa com a administração estatal ou local e por isso possui uma grande função político-social, já que a mediação profissional dificilmente se separa da mediação política. Este aspecto é diverso no que diz respeito aos intelectuais urbanos, os técnicos de fábrica não exercem nenhuma função política sobre as massas instrumentais, por vezes ocorre o contrário, as massas instrumentais exercem influência política sobre os técnicos.
      O ponto central da questão continua a ser a distinção entre intelectuais como categoria orgânica de cada grupo social fundamental e intelectuais como categoria tradicional. Daí o autor problematiza através da influência do partido político, o que ele se torna em relação ao problema dos intelectuais? Para isto, distingue que para alguns grupos sociais o partido político é o modo próprio de elaborar sua categoria de intelectuais orgânicos diretamente no campo político e filosófico, e já não mais no campo da técnica produtiva. E para todos os grupos o partido político é precisamente o mecanismo que representa na sociedade civil a mesma função desempenhada pelo Estado, de um modo mais vasto e mais sintético, na sociedade política, ou seja, proporciona a fusão entre os intelectuais orgânicos de cada grupo – o grupo dominante – e os intelectuais tradicionais.
    Pode-se dizer que no seu âmbito o partido político desempenha sua função muito mais completa e organicamente do que, num âmbito mais vasto, o Estado desempenha a sua: um intelectual que passa a fazer parte do partido político de um determinado grupo social confunde-se com os intelectuais orgânicos do próprio grupo, liga-se estreitamente ao grupo, o que não ocorre através de participação na vida estatal senão mediocremente ou mesmo nunca. Aliás, ocorre que muitos pensem ser o Estado: crença esta que, dado o imenso número de componentes da categoria, tem por vezes notáveis consequências e leva a desagradáveis complicações para o grupo fundamental econômico que é realmente o Estado.
   A formação dos intelectuais tradicionais é o problema histórico mais interessante. Ele se liga certamente à escravidão do mundo clássico e à posição dos libertos de origem grega e oriental na organização social do Império Romano. Na Itália, o fato central é precisamente a função internacional ou cosmopolita de seus intelectuais, que é causa e efeito do estado de desagregação em que permanece a península, desde a queda do Império Romano até 1870. Na França as primeiras células intelectuais do novo tipo nascem com as primeiras células econômicas, a própria organização eclesiástica sofre sua influência, essa maciça construção intelectual explica a função da cultura francesa nos séculos XVIII e XIX. Na Inglaterra o desenvolvimento é muito diferente, o novo agrupamento social nascido sobre a base do industrialismo moderno tem um surpreendente desenvolvimento econômico-corporativo, mas engatinha no campo intelectual-político, é muito ampla a categoria dos intelectuais orgânicos, isto é, dos intelectuais nascidos no mesmo terreno industrial do grupo econômico. A velha aristocracia fundiária se une aos industriais através de um tipo de junção que, em outros países, é precisamente aquele que une os intelectuais tradicionais às novas classes dominantes.
   O fenômeno inglês manifestou-se também na Alemanha, complicado por outros elementos históricos e tradicionais. O desenvolvimento industrial ocorreu sob um invólucro semifeudal e os Junkers foram os intelectuais tradicionais dos industriais alemães que mantiveram uma supremacia político-intelectual bem maior do que a mantida pelo mesmo grupo inglês. Na Rússia, diversas tendências, a organização política e econômico-comercial foi criada pelos normandos, a religiosa pelos gregos bizantinos. Num segundo momento, alemães e franceses levam a experiência europeia à Russia e emprestam um primeiro esqueleto consistente à gelatina histórica russa.
     Num outro terreno e em condições bem diversas de tempo e lugar vem o nascimento da nação americana (Estados Unidos): os emigrantes anglo-saxões são também uma elite intelectual, mas particularmente moral. O autor refere-se aos primeiros emigrantes, aos pioneiros, protagonistas das lutas religiosas e políticas inglesas, derrotados, mas nem humilhados nem rebaixados em sua pátria de origem. Eles trazem para a América além da energia moral e volitiva, um certo grau de civilização, uma certa fase de evolução histórica europeia que continua a desenvolver com um ritmo mais rápido que na velha Europa, onde existe toda uma série de freios morais, intelectuais, políticos, econômicos, incorporados em determinados grupos da população, relíquias dos regimes passados que não querem desaparecer). Deve-se notar então nos Estados Unidos em certa medida a ausência dos intelectuais tradicionais e portanto, o diverso equilíbrio dos intelectuais em geral. Esta ausência explica parcialmente tanto a existência de somente dois grandes partidos políticos, quanto, ao inverso, a multiplicação ilimitada de seitas religiosas.
  A formação de um número surpreendente de intelectuais negros, que absorvem a cultura e a técnica americanas é uma manifestação que deve ser estudada, a pensar na influência indireta destes sobre as massas atrasadas da África e na influência direta que se verificaria se o expansionismo americano se servisse dos negros nacionais como seus agentes na conquista dos mercados africanos e se as lutas pela unificação do povo americano se agudizassem a tal ponto que determinasse o êxodo dos negros com retorno à África dos elementos intelectuais mais independentes e enérgicos.
      Na América do Sul e na América central inexiste uma ampla categoria de intelectuais tradicionais, mas o problema não se apresenta nos mesmos termos que nos Estados Unidos. Na base de desenvolvimento desses países estão os quadros da civilização espanhola e portuguesa dos séculos XVI e XVII, caracterizada pela contra-reforma e pelo militarismo parasitário. A base industrial é muito restrita e a maior parte dos intelectuais é de tipo rural, com extensas propriedades eclesiásticas, tais intelectuais são ligados ao clero e aos grandes proprietários. A composição nacional é muito desequilibrada mesmo entre os brancos e complica-se pela imensa quantidade de índios, além da situação no qual o elemento laico e burguês não alcançou o estágio da subordinação, à politica laica do Estado moderno, dos interesses e da influência clerical e militarista, e em oposição ao jesuitismo possui ainda grande influência a Maçonaria e a Igreja positivista.
         Outros tipos de formação da categoria dos intelectuais pode ser encontradas na Índia, na China e no Japão. No último, formação do tipo inglês e alemão, na China existe o fenômeno da escritura, expressão da completa separação entre os intelectuais e o povo, assim como na Índia onde essa enorme distância manifesta-se no campo religioso. E pela religião Gramsci encerra observando a diferenciação no mundo todo na questão formativa dos intelectuais.

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