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domingo, 1 de julho de 2018

Resumo: A escola como espaço sócio-cultural - Dayrell

Este texto é de autoria de Juarez Dayrell, professor da Faculdade de Educação da UFMG, escrito em 1996, sobre a pesquisa que o mesmo fez em escolas públicas de funcionamento noturno na periferia da região metropolitana de Belo Horizonte. Vem tratar da escola como espaço sócio-cultural e suas potencialidades educativas no que cerne a observação da interação das relações sociais existentes dentro e fora da escola, dando ênfase à diversidade dos alunos e desta forma a variação cultural e as experiências diferenciadas que carregam consigo, além de fazer críticas à estrutura física e mal aproveitamento das potencialidades educacionais. Segue abaixo o resumo deste texto a ser apresentado na 2ª avaliação da disciplina Antropologia da Educação, ministrada pelo Prof. Leandro Klineyder, na Faculdade de Ciências Sociais da UFPA.

A ESCOLA COMO ESPAÇO SÓCIO-CULTURAL

INTRODUÇÃO
            O presente texto lança análises e considerações sobre a escola como espaço sócio-cultural. Para isto procura entender o que é a escola pela ótica institucional, da cultura, do espaço físico, e o conjunto das relações sociais que se estabelecem no interior e no exterior da escola e como estas são determinantes para o processo educativo. Analisa o espaço físico, arquitetura e suas influências nas interações dessas relações, o papel do professor e do aluno, o método educativo que não contribui para o saber questionador, mostrando-se linear e materializado em conteúdos de programas e livros escolares. Trata do potencial que a escola possui em ampliar a transmissão de saberes através das relações e suas trocas de experiências.

1-  PRIMEIROS OLHARES SOBRE A ESCOLA
            O significado de entender a escola como espaço sócio-cultural repousa no sentido de compreendê-la pela ótica da cultura, com olhar mais denso que leva em conta a dimensão do dinamismo do cotidiano, em todos os espaços, pessoas de todas as partes, idades, implicando assim em resgatar o papel dos sujeitos na trama social que a constitui enquanto instituição. Isto expressa um eixo de análise surgida a partir da década de 80 que tentava superar as análises mais deterministas, desenvolvendo uma análise em que se privilegia a ação dos sujeitos na relação com as estruturas sociais.
            Neste sentido, a escola como espaço sócio-cultural é entendida como espaço social próprio, ordenado em dupla dimensão, resultando de um conflito de interesses em que de um lado está a escola como instituição, organização oficial escolar com suas regras e normas, e de outro as tramas de relações sociais que os sujeitos participantes da escola carregam, incluindo alianças e conflitos, imposições de estratégias individuais ou coletivas, transgressão ou acordos, sendo assim, um processo heterogêneo fruto da ação recíproca entre o sujeito e a instituição.
            A cada instante é recolocado a reprodução do velho e a possibilidade de construção do novo no processo educativo escolar, assim o texto segue no sentido de expressar esse olhar do cotidiano, reflete angústias e questões de professores de escolas noturnas da rede pública de ensino na periferia da região metropolitana de Belo Horizonte-MG em 1994.

2-  OS ALUNOS CHEGAM À ESCOLA
            O texto faz a descrição de um dia normal de aula no contexto externo, em que as pessoas vão chegando, conversando, formando grupos, conversas, paqueras, os sons, o comércio em volta, uma escola grande com muros altos, sendo um espaço claramente delimitado, como se passasse para o novo cenário onde serão desempenhados papéis específicos, próprios do “mundo da escola”, bem diferentes dos desempenhados no “mundo da rua”.

2.1 – A DIVERSIDADE CULTURAL
            Para grande parte dos professores, não são levados em conta aspectos pessoais dos alunos, pois estes são vistos como uma massa homogênea, alunos, independente de cor, sexo, idade, origem social, pois entendem que a instituição escolar deveria atender todos da mesma forma, sendo assim essa homogeneização correspondente à homogeneização da instituição escolar, compreendida como universal.
            Neste sentido, existe uma desarticulação entre o conhecimento escolar e a vida dos alunos, haja vista que o próprio sistema de funcionamento da escola propicia isto. O conhecimento escolar se torna “objeto” ao ser materializado nos programas e livros didáticos, sendo valorizadas as provas e notas devido à ênfase ser centrada nos resultados da aprendizagem e não no processo, tornando assim a visão de conhecimento como um produto. Expressa assim uma lógica instrumental que reduz a compreensão de educação e seus processos em transmissão de informações. O mesmo método é aplicado em diferentes públicos, em diversos lugares, e este tratamento uniforme só vem consagrar a desigualdade e as injustiças das origens sociais do aluno.
          Para superar essa visão homogeneizante e estereotipada da noção de aluno implica-se outra forma de compreender esses jovens, apreende-los como sujeitos sócio-culturais, para compreendê-los na sua diferença enquanto indivíduo que carrega sua história e tem suas particularidades, levando em conta a dimensão da “experiência vivida” que é matéria prima a partir da qual os jovens articulam sua própria cultura, aqui entendida enquanto conjunto de crenças, valores, visão de mundo, rede de significados.
         Tomando por base que nenhum indivíduo nasce homem, mas constitui-se e se produz como tal, num processo contínuo de passagem da natureza para cultura, sendo construído e se construindo enquanto ser humano, como se dá essa produção na sociedade concreta?
       Já existia uma sociedade quando qualquer um desses jovens nasceu e foi inserido, cuja estrutura não dependeu dele e nem por ele foi produzida. A princípio são as macroestruturas que vão apontar um leque mais ou menos definido de opções em relação a um destino social. Mas também existe a outro nível a interação na vida social cotidiana com suas próprias estruturas, com suas características próprias, sendo o nível do grupo social que produz uma cultura própria. Isto se reflete nas novas experiências de relações familiares diferentes, morar em outro bairro, estudar em outra escola, num constante reiniciar das relações, configurando um processo educativo amplo que ocorre no cotidiano das relações sociais, e os jovens alunos são resultado disso. Apesar da aparência de homogeneidade, expressam a diversidade cultural: uma mesma linguagem pode expressar múltiplas falas.
            Desta forma, afirma-se que “são as relações sociais que verdadeiramente educam, isto é, formam, produzem os indivíduos em suas realidades singulares e mais profundas. Nenhum indivíduo nasce homem. Portanto, a educação tem um sentido mais amplo, é o processo de produção de homens num determinado momento histórico...” (Daryrell, 1992, p.2). Diante desta ampla diversidade de experiências, marcadas pela própria divisão social do trabalho e das riquezas que vai delinear as classes sociais, constitui-se dois conjuntos culturais básicos: a oposição cultura erudita x cultura popular.
            Vale ressaltar que a diversidade cultural nem sempre pode ser explicada apenas pela dimensão das classes sociais, levando-se em conta uma leitura mais ampla sobre as tradições e valores. Na sociedade brasileira a diversidade cultural também é fruto do acesso diferenciado às informações e às instituições que asseguram a distribuição dos recursos materiais, tendo assim também uma conotação político-ideológica.
            Por fim, essas considerações sobre a diversidade cultural dos alunos implicam constatar num primeiro aspecto que a escola é polissêmica, tem uma multiplicidade de sentidos, e o segundo aspecto reside na articulação entre a experiência que a escola oferece na forma como estrutura o seu projeto político pedagógico e os projetos dos alunos. Neste sentido, a escola não poderia ser um espaço de ampliação de experiências? Além dessa questão, quais seriam os espaços e momentos que poderiam contribuir para que o aluno se situe em relação ao mundo que vive? Resgatando assim a função social da escola e seu processo de formação de cidadãos. Surge o desafio sob esta ótica de deslocar o eixo central da escola para o aluno como adolescentes e adultos reais.

3 – AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES EDUCATIVAS DO ESPAÇO ESCOLAR
            É feita a descrição da escola no iniciar do turno, no sentido das interações sociais, sozinhos ou em grupos, com a movimentação dos alunos pela escola. Descreve também a estrutura física da escola, que se julga no seu conjunto um espaço físico rígido, retangular, frio, pouco estimulante, com paredes lisas, sem nenhum apelo.
                                  
4.1 – A ARQUITETURA DA ESCOLA
            O espaço arquitetônico da escola expressa uma determinada concepção educativa, pois a arquitetura escolar interfere na forma da circulação das pessoas, na definição de funções para cada local. Em seguida, analisa alguns aspectos como o seu isolamento do exterior, demarcando duas realidades: o mundo da rua e o mundo da escola. Os corredores são pensados para uma locomoção rápida, contribuindo para a disciplinação, bibliotecas em espaços reduzidos. E nesta realidade os alunos passam a ocupar esses espaços e interagir com os mesmos no sentido de dar novos usos, recriando sentidos e suas próprias formas de sociabilidade.
            Desta forma, a geografia escolar para os alunos, e com isso a própria escola, têm um sentido próprio, que pode não coincidir com o dos professores. Importante que também os professores resignificam esses espaços. Vale ressaltar que por mais que se resignifique, existe um limite que muitas vezes restringe a dimensão educativa da escola, por isso se faz importante uma discussão sobre a dimensão arquitetônica em um projeto de escola, estando atento a como os sujeitos ocupam os espaços.

4.2 – A DIMENSÃO DO ENCONTRO
            O que até então foi descrito revela que a escola é essencialmente um espaço coletivo, de relações grupais. Essas relações variam dependendo do momento em que ocorrem, seja fora ou dentro da escola, por exemplo, há um clima diferente entre o encontro do início das aulas e da hora da saída. A sala de aula é um local de encontro, mas com características diferentes, onde passam a se definir por território, formando subgrupos chamados “panelinhas” e estes permanecem por pelo menos um ano.
            Desta forma, pode-se dizer que “a escola se constitui de um conjunto de tempos e espaços ritualizados. Em cada situação, há uma dimensão simbólica, que se expressa nos gestos e posturas acompanhados de sentimentos. Cada um dos seus rituais possui uma dimensão pedagógica, na maioria das vezes implícita, independente da intencionalidade ou dos objetivos explícitos da escola.” (Daryrell, 1996)
      Também trata dos rituais, como a semana de provas e os ligados à datas comemorativas, que são momentos que exigem maior dedicação dos professores e envolvimento dos alunos. A semana do estudante, dia dos professores, das mães servem para fortalecer emocionalmente alunos e professores, e a semana da pátria vem como forma de injetar uma renovação do compromisso com as motivações e valores dominantes.
            Conclui que a escola se torna um espaço de encontro entre iguais, possibilitando a convivência com a diferença, e olhá-la pelo prisma do cotidiano permite vislumbrar a dimensão educativa presente no conjunto das relações sociais que ocorrem no seu interior.

4 – A DIMENSÃO DO CONHECIMENTO DA ESCOLA
            É feita uma descrição da sala de aula no âmbito de seu funcionamento ao iniciar o primeiro turno de aula. Esta aula servirá de base para as considerações seguintes: em primeiro momento a constatação da rotina asfixiante e a chatice que são obvias. Coloca que a sala de aula é um conjunto de alunos, uns mais interessados, outros nem pouco interessados, em constante bagunça, e os professores uns mais envolvidos que outros, mais criativos ou tediosos.
 Chama atenção para os papeis de aluno e de professor, que esses papeis não são dados, mas sim construídos, onde a sala de aula é o espaço privilegiado. São assim construídas imagens e estereótipos dos alunos, influenciados por suas posturas e discursos, interferindo na produção de “tipos” de alunos e da própria turma. Nessa criação de papeis e imagens é que geralmente se expressam com mais clareza os preconceitos e racismos existentes nas relações e mesmo as questões sexuais, com ênfase no homossexualidade e na prostituição.
Outro eixo importante de análise se refere ao cotidiano das aulas e a relação com o conhecimento. A sala se resume a uma relação simples e linear para a boa parte dos professores com seus alunos, por serem vistos de forma homogênea como já abordado. O professor não percebe a dimensão do conjunto das relações  que se estabelecem ali na sala, percebendo-os somente enquanto seres de cognição e de forma equivocada, por sua maior ou menor disciplina, maior ou menor capacidade de aprender conteúdos.
Desta forma, os professores presos a esta forma de lidar com os conteúdos, deixam de contribuir no processo de formação mais amplo, como interlocutores desses alunos diante de suas crises cotidianas e suas perplexidades. Além da postura pedagógica, ressalta também a qualidade dos conhecimentos e conteúdos ministrados na escola, pois o que se observa que é oferecido ao aluno trata-se de uma versão empobrecida, diluída e degradada do conhecimento.
Os estudantes tendem a criar um próprio mundo dependendo da relação do professor com a turma, e os professores não conseguem disciplinar minimamente os alunos como na atenção, concentração. Junto a essa dimensão, outro elemento fundamental são as atividades extra-classe, nelas o prazer e o lúdico são permitidos, quando fica mais explicita a noção de uns e outros a respeito da escola, como exemplo danças em grupos, que geram mais envolvimento. Chama a atenção a escola não aproveitar desses momentos para ampliar seu trabalho educativo, relacionando com o cotidiano da sala de aula. O último aspecto se debruça na estrutura da escola, a forma como se organiza, os tempos e espaços como se dividem, pouco leva em conta a realidade e anseio dos alunos, a escola parece se organizar para si mesma.
           
 CONSIDERAÇÕES FINAIS
                Foi analisado ao longo do texto um determinado olhar sobre a instituição escolar, apreendida enquanto espaço sócio-cultural, definindo a escola como uma instituição dinâmica, polissêmica, fruto de um processo de construção social. Concluindo que os atores vivenciam o espaço escolar como uma unidade sócio-cultural complexa, cuja dimensão educativa se dá nas experiências humanas ali existentes. Acreditamos que a escola pode e deve ser um espaço de formação ampla do aluno, que aprofunde seu processo de humanização, tornando-se necessária ampliação e aprofundamento das análises nesse sentido, contribuindo para a problematização de sua função social.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
DAYRELL, Juarez. A escola como espaço sócio-cutural. In: _____. (Org.). Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Minas Gerais: UFMG, 1996.

3 comentários:

DoraJacob disse...

Olá !!! Por acaso a data de 1966, digitada logo no início deste texto, não seria 1996?
Att.

Miguel Camay disse...

O termo "Homossexualismo" deixou de ser utilizado, ele se referia um período nefasto da nossa história em que as pessoas LGBTIA+ eram considerados doentes, hoje o termo correto é HOMOSSEXUALIDADE e o ideal é que a autora faça a correção do texto de modo a evitar a propagação de informações e palavras equivocadas.

Ana Carla disse...

Muito grata pelas observações dos comentários, fiz a correção.

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