A ESCOLA COMO ESPAÇO
SÓCIO-CULTURAL
INTRODUÇÃO
O presente texto lança análises e considerações sobre a
escola como espaço sócio-cultural. Para isto procura entender o que é a escola
pela ótica institucional, da cultura, do espaço físico, e o conjunto das relações
sociais que se estabelecem no interior e no exterior da escola e como estas são
determinantes para o processo educativo. Analisa o espaço físico, arquitetura e
suas influências nas interações dessas relações, o papel do professor e do
aluno, o método educativo que não contribui para o saber questionador, mostrando-se
linear e materializado em conteúdos de programas e livros escolares. Trata do
potencial que a escola possui em ampliar a transmissão de saberes através das
relações e suas trocas de experiências.
1- PRIMEIROS
OLHARES SOBRE A ESCOLA
O significado de entender a escola como espaço
sócio-cultural repousa no sentido de compreendê-la pela ótica da cultura, com
olhar mais denso que leva em conta a dimensão do dinamismo do cotidiano, em
todos os espaços, pessoas de todas as partes, idades, implicando assim em
resgatar o papel dos sujeitos na trama social que a constitui enquanto
instituição. Isto expressa um eixo de análise surgida a partir da década de 80
que tentava superar as análises mais deterministas, desenvolvendo uma análise
em que se privilegia a ação dos sujeitos na relação com as estruturas sociais.
Neste
sentido, a escola como espaço sócio-cultural é entendida como espaço social
próprio, ordenado em dupla dimensão, resultando de um conflito de interesses em
que de um lado está a escola como instituição, organização oficial escolar com
suas regras e normas, e de outro as tramas de relações sociais que os sujeitos
participantes da escola carregam, incluindo alianças e conflitos, imposições de
estratégias individuais ou coletivas, transgressão ou acordos, sendo assim, um
processo heterogêneo fruto da ação recíproca entre o sujeito e a instituição.
A
cada instante é recolocado a reprodução do velho e a possibilidade de
construção do novo no processo educativo escolar, assim o texto segue no
sentido de expressar esse olhar do cotidiano, reflete angústias e questões de
professores de escolas noturnas da rede pública de ensino na periferia da
região metropolitana de Belo Horizonte-MG em 1994.
2- OS
ALUNOS CHEGAM À ESCOLA
O
texto faz a descrição de um dia normal de aula no contexto externo, em que as
pessoas vão chegando, conversando, formando grupos, conversas, paqueras, os
sons, o comércio em volta, uma escola grande com muros altos, sendo um espaço
claramente delimitado, como se passasse para o novo cenário onde serão
desempenhados papéis específicos, próprios do “mundo da escola”, bem diferentes
dos desempenhados no “mundo da rua”.
2.1 – A DIVERSIDADE CULTURAL
Para
grande parte dos professores, não são levados em conta aspectos pessoais dos
alunos, pois estes são vistos como uma massa homogênea, alunos, independente de
cor, sexo, idade, origem social, pois entendem que a instituição escolar
deveria atender todos da mesma forma, sendo assim essa homogeneização
correspondente à homogeneização da instituição escolar, compreendida como
universal.
Neste
sentido, existe uma desarticulação entre o conhecimento escolar e a vida dos
alunos, haja vista que o próprio sistema de funcionamento da escola propicia
isto. O conhecimento escolar se torna “objeto” ao ser materializado nos
programas e livros didáticos, sendo valorizadas as provas e notas devido à
ênfase ser centrada nos resultados da aprendizagem e não no processo, tornando
assim a visão de conhecimento como um produto. Expressa assim uma lógica
instrumental que reduz a compreensão de educação e seus processos em
transmissão de informações. O mesmo
método é aplicado em diferentes públicos, em diversos lugares, e este
tratamento uniforme só vem consagrar a desigualdade e as injustiças das origens
sociais do aluno.
Para
superar essa visão homogeneizante e estereotipada da noção de aluno implica-se outra
forma de compreender esses jovens, apreende-los como sujeitos sócio-culturais,
para compreendê-los na sua diferença enquanto indivíduo que carrega sua
história e tem suas particularidades, levando em conta a dimensão da
“experiência vivida” que é matéria prima a partir da qual os jovens articulam
sua própria cultura, aqui entendida enquanto conjunto de crenças, valores,
visão de mundo, rede de significados.
Tomando por base que nenhum indivíduo
nasce homem, mas constitui-se e se produz como tal, num processo contínuo de
passagem da natureza para cultura, sendo construído e se construindo enquanto
ser humano, como se dá essa produção na sociedade concreta?
Já
existia uma sociedade quando qualquer um desses jovens nasceu e foi inserido,
cuja estrutura não dependeu dele e nem por ele foi produzida. A princípio são
as macroestruturas que vão apontar um leque mais ou menos definido de opções em
relação a um destino social. Mas também existe a outro nível a interação na
vida social cotidiana com suas próprias estruturas, com suas características
próprias, sendo o nível do grupo social que produz uma cultura própria. Isto se
reflete nas novas experiências de relações familiares diferentes, morar em
outro bairro, estudar em outra escola, num constante reiniciar das relações,
configurando um processo educativo amplo que ocorre no cotidiano das relações
sociais, e os jovens alunos são resultado disso. Apesar da aparência de
homogeneidade, expressam a diversidade cultural: uma mesma linguagem pode
expressar múltiplas falas.
Desta
forma, afirma-se que “são as relações sociais que verdadeiramente educam, isto
é, formam, produzem os indivíduos em suas realidades singulares e mais
profundas. Nenhum indivíduo nasce homem. Portanto, a educação tem um sentido
mais amplo, é o processo de produção de homens num determinado momento
histórico...” (Daryrell, 1992, p.2). Diante desta ampla diversidade de
experiências, marcadas pela própria divisão social do trabalho e das riquezas
que vai delinear as classes sociais, constitui-se dois conjuntos culturais
básicos: a oposição cultura erudita x cultura popular.
Vale
ressaltar que a diversidade cultural nem sempre pode ser explicada apenas pela
dimensão das classes sociais, levando-se em conta uma leitura mais ampla sobre
as tradições e valores. Na sociedade brasileira a diversidade cultural também é
fruto do acesso diferenciado às informações e às instituições que asseguram a
distribuição dos recursos materiais, tendo assim também uma conotação
político-ideológica.
Por
fim, essas considerações sobre a diversidade cultural dos alunos implicam constatar
num primeiro aspecto que a escola é polissêmica, tem uma multiplicidade de
sentidos, e o segundo aspecto reside na articulação entre a experiência que a
escola oferece na forma como estrutura o seu projeto político pedagógico e os
projetos dos alunos. Neste sentido, a escola não poderia ser um espaço de
ampliação de experiências? Além dessa questão, quais seriam os espaços e
momentos que poderiam contribuir para que o aluno se situe em relação ao mundo
que vive? Resgatando assim a função social da escola e seu processo de formação
de cidadãos. Surge o desafio sob esta ótica de deslocar o eixo central da
escola para o aluno como adolescentes e adultos reais.
3
– AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES EDUCATIVAS DO ESPAÇO ESCOLAR
É feita a descrição da escola no iniciar do turno, no sentido
das interações sociais, sozinhos ou em grupos, com a movimentação dos alunos
pela escola. Descreve também a estrutura física da escola, que se julga no seu
conjunto um espaço físico rígido, retangular, frio, pouco estimulante, com
paredes lisas, sem nenhum apelo.
4.1
– A ARQUITETURA DA ESCOLA
O
espaço arquitetônico da escola expressa uma determinada concepção educativa,
pois a arquitetura escolar interfere na forma da circulação das pessoas, na
definição de funções para cada local. Em seguida, analisa alguns aspectos como
o seu isolamento do exterior, demarcando duas realidades: o mundo da rua e o
mundo da escola. Os corredores são pensados para uma locomoção rápida,
contribuindo para a disciplinação, bibliotecas em espaços reduzidos. E nesta realidade
os alunos passam a ocupar esses espaços e interagir com os mesmos no sentido de
dar novos usos, recriando sentidos e suas próprias formas de sociabilidade.
Desta
forma, a geografia escolar para os alunos, e com isso a própria escola, têm um
sentido próprio, que pode não coincidir com o dos professores. Importante que
também os professores resignificam esses espaços. Vale ressaltar que por mais
que se resignifique, existe um limite que muitas vezes restringe a dimensão
educativa da escola, por isso se faz importante uma discussão sobre a dimensão
arquitetônica em um projeto de escola, estando atento a como os sujeitos ocupam
os espaços.
4.2
– A DIMENSÃO DO ENCONTRO
O
que até então foi descrito revela que a escola é essencialmente um espaço
coletivo, de relações grupais. Essas relações variam dependendo do momento em
que ocorrem, seja fora ou dentro da escola, por exemplo, há um clima diferente
entre o encontro do início das aulas e da hora da saída. A sala de aula é um
local de encontro, mas com características diferentes, onde passam a se definir
por território, formando subgrupos chamados “panelinhas” e estes permanecem por
pelo menos um ano.
Desta
forma, pode-se dizer que “a escola se
constitui de um conjunto de tempos e espaços ritualizados. Em cada situação, há
uma dimensão simbólica, que se expressa nos gestos e posturas acompanhados de
sentimentos. Cada um dos seus rituais possui uma dimensão pedagógica, na
maioria das vezes implícita, independente da intencionalidade ou dos objetivos
explícitos da escola.” (Daryrell, 1996)
Também
trata dos rituais, como a semana de provas e os ligados à datas comemorativas,
que são momentos que exigem maior dedicação dos professores e envolvimento dos
alunos. A semana do estudante, dia dos professores, das mães servem para
fortalecer emocionalmente alunos e professores, e a semana da pátria vem como
forma de injetar uma renovação do compromisso com as motivações e valores
dominantes.
Conclui
que a escola se torna um espaço de encontro entre iguais, possibilitando a
convivência com a diferença, e olhá-la pelo prisma do cotidiano permite
vislumbrar a dimensão educativa presente no conjunto das relações sociais que
ocorrem no seu interior.
4
– A DIMENSÃO DO CONHECIMENTO DA ESCOLA
É
feita uma descrição da sala de aula no âmbito de seu funcionamento ao iniciar o
primeiro turno de aula. Esta aula servirá de base para as considerações
seguintes: em primeiro momento a constatação da rotina asfixiante e a chatice
que são obvias. Coloca que a sala de aula é um conjunto de alunos, uns mais
interessados, outros nem pouco interessados, em constante bagunça, e os
professores uns mais envolvidos que outros, mais criativos ou tediosos.
Chama atenção para os
papeis de aluno e de professor, que esses papeis não são dados, mas sim
construídos, onde a sala de aula é o espaço privilegiado. São assim construídas
imagens e estereótipos dos alunos, influenciados por suas posturas e discursos,
interferindo na produção de “tipos” de alunos e da própria turma. Nessa criação
de papeis e imagens é que geralmente se expressam com mais clareza os
preconceitos e racismos existentes nas relações e mesmo as questões sexuais,
com ênfase no homossexualidade e na prostituição.
Outro eixo importante de
análise se refere ao cotidiano das aulas e a relação com o conhecimento. A sala
se resume a uma relação simples e linear para a boa parte dos professores com
seus alunos, por serem vistos de forma homogênea como já abordado. O professor
não percebe a dimensão do conjunto das relações
que se estabelecem ali na sala, percebendo-os somente enquanto seres de
cognição e de forma equivocada, por sua maior ou menor disciplina, maior ou
menor capacidade de aprender conteúdos.
Desta forma, os
professores presos a esta forma de lidar com os conteúdos, deixam de contribuir
no processo de formação mais amplo, como interlocutores desses alunos diante de
suas crises cotidianas e suas perplexidades. Além da postura pedagógica,
ressalta também a qualidade dos conhecimentos e conteúdos ministrados na escola,
pois o que se observa que é oferecido ao aluno trata-se de uma versão
empobrecida, diluída e degradada do conhecimento.
Os estudantes tendem a
criar um próprio mundo dependendo da relação do professor com a turma, e os
professores não conseguem disciplinar minimamente os alunos como na atenção,
concentração. Junto a essa dimensão, outro elemento fundamental são as
atividades extra-classe, nelas o prazer e o lúdico são permitidos, quando fica
mais explicita a noção de uns e outros a respeito da escola, como exemplo
danças em grupos, que geram mais envolvimento. Chama a atenção a escola não
aproveitar desses momentos para ampliar seu trabalho educativo, relacionando
com o cotidiano da sala de aula. O último aspecto se debruça na estrutura da
escola, a forma como se organiza, os tempos e espaços como se dividem, pouco
leva em conta a realidade e anseio dos alunos, a escola parece se organizar
para si mesma.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Foi
analisado ao longo do texto um determinado olhar sobre a instituição escolar,
apreendida enquanto espaço sócio-cultural, definindo a escola como uma
instituição dinâmica, polissêmica, fruto de um processo de construção social. Concluindo
que os atores vivenciam o espaço escolar como uma unidade sócio-cultural
complexa, cuja dimensão educativa se dá nas experiências humanas ali existentes.
Acreditamos que a escola pode e deve ser um espaço de formação ampla do aluno,
que aprofunde seu processo de humanização, tornando-se necessária ampliação e
aprofundamento das análises nesse sentido, contribuindo para a problematização
de sua função social.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
DAYRELL, Juarez. A escola como espaço sócio-cutural. In: _____. (Org.). Múltiplos olhares sobre educação e cultura.
Minas Gerais: UFMG, 1996.
3 comentários:
Olá !!! Por acaso a data de 1966, digitada logo no início deste texto, não seria 1996?
Att.
O termo "Homossexualismo" deixou de ser utilizado, ele se referia um período nefasto da nossa história em que as pessoas LGBTIA+ eram considerados doentes, hoje o termo correto é HOMOSSEXUALIDADE e o ideal é que a autora faça a correção do texto de modo a evitar a propagação de informações e palavras equivocadas.
Muito grata pelas observações dos comentários, fiz a correção.
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