Sou uma preta doida. Me apelidei
assim porque desde a adolescência era chamada de doida, seja por minhas
gaiatices, por ser impulsiva, atrevida, por não concordar com as caixinhas
impostas pela sociedade, pelos meus fetiches, desejos ou por não tolerar injustiças e me fazer de doida
mesmo! Doida é quem não está dentro do “normal”, não se sente contemplada com o
padrão oferecido e decide transgredir, e apesar de não ter muita leitura quando
era mais jovem sobre relacionamento não monogâmico, eu insistia em ser essa doida.
Mas num piscar de olhos a doida passa a ser puta, vagabunda, como são chamadas as mulheres que rompem com o patriarcado. A puta é considerada o mais baixo escalão de mulheres, sendo que elas ajudaram a sustentar por séculos o contrato monogâmico de forma diferenciada e privilegiada aos homens, enfim, o capitalismo racista patriarcal se beneficia de nosso trabalho, putas ou não, por isso tentam nos calar.
Mas num piscar de olhos a doida passa a ser puta, vagabunda, como são chamadas as mulheres que rompem com o patriarcado. A puta é considerada o mais baixo escalão de mulheres, sendo que elas ajudaram a sustentar por séculos o contrato monogâmico de forma diferenciada e privilegiada aos homens, enfim, o capitalismo racista patriarcal se beneficia de nosso trabalho, putas ou não, por isso tentam nos calar.
Esse tempo de isolamento social
tem me feito revisitar muitas histórias, em especial os
afetos, as relações. Me entendi e assumi como não monogâmica recentemente,
mais precisamente em 2017 quando acabou meu casamento também por isso. Eu já me
sentia assim, mas não conhecia nenhuma relação fora da monogamia de uma forma
assumida, foi buscando leituras a respeito pra tentar entender isso que sempre
senti, mas não sabia dar nome e se já tinha nome, que cheguei às reflexões
sobre poliamor e não monogamia. Até então eu só tinha conhecido o swing e o “meio
liberal” (acho uó esse nome “liberal”, mas tudo bem! rs Isso dá outro texto).
Nessas recordações, lembrei como em
várias relações o fato deu ser assim, “doida”, me levaram a ser preterida. Sei
que existem outros motivos, certamente, mas isso é outro assunto. Sou
sempre considerada maravilhosa, inteligente, gostosa, divertida, que conversa bem, transa
bem, uma boa companhia, mas que no final não vai casar e nem vai ser exclusiva,
monogâmica. Pra alguns vira até festa, se encantam com a possibilidade da
liberdade, se divertem, conversam muito empolgados a respeito, compreendem e
concordam com meus posicionamentos, mas acabam optando pelo convencional, pela
monogamia, e quando encontram alguém que vai lhes oferecer isso, eu sou
descartada. Podem até sentir falta de mim, saudade, mas eu não sou o tipo de
mulher pra se ter uma relação “séria” e fica melhor me ter como amiga. Fora os
que já optaram pela monogamia, mas quebram seus contratos monogâmicos só pra matar
saudades da “amiga” aqui.
É bem aí que paira um problema, a
não monogamia para muitos não é pra ser levada a sério, nem é vista como
relação sequer, eu mesmo não a enxergava, ou só um lance passageiro, uma onda,
poder fazer o que quiser que a pessoa não vai se magoar, afinal é tudo livre, acha
que ela vai compreender e assim acaba por não ter responsabilidade afetiva
alguma com quem se relaciona dessa forma. Já parei pra pensar se de alguma
maneira não tenho culpa (mulher sempre buscando culpa, né?) por não demarcar
melhor isso com quem me envolvo, mas sempre deixei tudo muito bem
transparecido, costumo ser verdadeira comigo e com quem me envolvo esperando de
volta essa recíproca. Mas o que percebo hoje é a dificuldade em encontrar
afetos que estejam afinados da mesma maneira que eu sobre a não monogamia, e
decididos também a viver esse arranjo. Podem até achar bacana, compreendem bem,
trocam ideia a respeito, mas não é isso que querem, a monogamia sempre me
venceu porque no fim é isso que a maioria deles busca, conforto e
exclusividade, sendo que muitas vezes eles nem oferecem isso de volta, aos
homens sempre foi facultado ser infiel e sempre lhes doeu muito a alcunha de “corno”,
ser corna não doi tanto quanto, pois assim fomos socializadas, a suportar
caladas todas as adversidades em nome do único amor da sua vida, verdadeiro e
eterno.
Eu sempre brinco que a única
coisa que ganhei sendo monogâmica foi chifre, e fui monogâmica porque de fato
não sentia desejo por outros homens, isso acontece na não monogamia também, mas
ficava me perguntando se seria assim sempre, se só sentiria desejo por ele e
mais ninguém. Nunca me vi apaixonada e transando com um único homem pelo resto
da minha vida! Falei isso pra um amigo esses dias e ele me disse que acha que a
maioria das mulheres pensam assim, só não têm coragem de assumir. E é isso
mesmo, tem que ter muita coragem! Na sociedade machista que vivemos, muitas
mulheres pagam com a vida por esse desejo, são mortas pelos parceiros por
quebrar a regra, por querer viver outros afetos, ou se assumem logo de cara
isso, como eu, pagam o preço da solidão, pois não somos relações sérias, somos
sexo de ocasião, bem como carinho e atenção de ocasião.
É como se não tivesse nome o que
eu quero. Eu não desejo ter uma relação assumida pra geral, de envolver
família, morar junto então, nem pensar! Ter que expor minha filha a homens que
eu jamais irei obrigá-la a tratar bem ou ter relação, enfim, mas quero ter
afetos que eu possa conversar, dar uma volta, transar muito, saber como está,
contar como estou, coisas gostosas de fazer a dois. Daí podem me dizer: ah, mas
assim tu só queres a parte boa! Sim, mas qual é o crime de só querer coisas
boas e descomplicar as coisas? Hehe! E quem disse que a não monogamia também
não tem seus problemas? Tem vários, inclusive a desconstrução de conceitos e
comportamentos da monogamia que ainda reproduzimos! Mas este é o nome que
achei pro que eu quero, relações não monogâmicas é o caminho que mais condiz com
o que busco e amadureci sobre relacionamentos.
Creio também que não seja
impossível encontrar quem pense como eu e deseje ter relações não monogâmicas, é
bom ter esperança! Importante ter certeza do que se quer para não se enganar em
relações que não serão recíprocas nesse sentido. É muito difícil, eu sei, mas
eu pago o preço de ser quem eu sou e não precisar fingir que sou algo só pela
necessidade de ter alguém, eu já fiz isso e não é nada agradável! O preço de
ficar sozinha hoje me sai muito mais em conta, quem sabe um dia o acaso me
agracia e o padrão monogâmico não me vença mais, que eu seja amada, desejada e
respeitada justamente por ser assim. Hoje me sinto mais feliz e segura em saber
o que quero, lado maravilhoso de envelhecer! Sou muito agradecida por todas que
se dedicam a refletir e escrever sobre não monogamia e poliamor, pois é isso
que importa, buscar ser feliz entendendo que a felicidade não está nas caixas
prontas, existe uma infinidade de possibilidades e o ser humano é muito
diverso, ainda bem!
Que sigamos na luta pela nossa
felicidade, desmontando padrões e enfrentando o status quo, é dureza, mas certamente
é melhor que passar uma vida inteira se enganando e se frustrando. Muitas
mulheres passaram uma vida sem saber o que é ser dona de seus corpos e seus
desejos, não podemos mais permitir isso! Vamos seguir lutando para que todas as
mulheres sejam livres e donas de seus destinos, permanecendo vivas por suas
escolhas! O amor é livre, assim como nossos corpos e individualidades!
Viva o amor! Viva a liberdade!
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