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quarta-feira, 6 de junho de 2018

As quatro ondas feministas e as vertentes do feminismo

Esse texto se trata de um recorte que fiz de quatro sites e um artigo sobre as ondas feministas e as vertentes do feminismo, para auxiliar nos estudos e debates sobre feminismo na nossa militância. Não são grifos meus, são trechos das autoras citadas nas referências ao final do texto e que fiz atualização em 23/01/2020. Partindo do princípio da importância de tomar referências teóricas para dar sustentação à luta prática e diária do movimento feminista, foi feito este resumo para nos dar esse arcabouço e servir de incentivo a mais pesquisas pessoais sobre o movimento. Boa leitura!

As quatro ondas feministas e as vertentes do feminismo

De uma forma geral, pode-se dizer que o objetivo do feminismo é uma sociedade sem hierarquia de gênero: o gênero não sendo utilizado para conceder privilégios ou legitimar opressão. Ou como disse Amelinha Teles na introdução de Breve história do feminismo no Brasil, “falar da mulher, em termos de aspiração e projeto, rebeldia e constante busca de transformação, falar de tudo o que envolva a condição feminina, não é só uma vontade de ver essa mulher reabilitada nos planos econômico, social e cultural. É mais do que isso. É assumir a postura incômoda de se indignar com o fenômeno histórico em que metade da humanidade se viu milenarmente excluída nas diferentes sociedades no decorrer dos tempos”.
No Brasil, o “assumir essa postura incômoda”, o movimento feminista, teve início no século XIX, o que chamamos de primeira onda. Nesta, as reivindicações eram voltadas para assuntos como o direito ao voto e à vida pública. Um grande nome dessa onda é Nísia Floresta. Em 1922, nasce a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, que tinha como objetivo lutar pelo sufrágio feminino e o direito ao trabalho sem a autorização do marido.
A segunda onda teve início nos anos 70 num momento de crise da democracia. Além de lutar pela valorização do trabalho da mulher, o direito ao prazer, contra a violência sexual, também lutou contra a ditadura militar. O primeiro grupo que se tem notícia foi formado em 1972, sobretudo por professoras universitárias. Em 1975 formou-se o Movimento Feminino pela Anistia. No mesmo ano surge o jornal Brasil Mulher, editado primeiramente no Paraná e depois transferido para a capital paulista e que circulou até 1980.
Na terceira onda, que teve início da década de 90, começou-se a discutir os paradigmas estabelecidos nas outras ondas, colocando em discussão a micropolítica. Apesar de que, as mulheres negras estadunidenses, como Beverly Fisher, já na década de 70, começaram a denunciar a invisibilidade das mulheres negras dentro da pauta de reivindicação do movimento. No Brasil, o feminismo negro começou a ganhar força no fim dessa década, começo da de 80, lutando para que as mulheres negras fossem sujeitos políticos.
As críticas trazidas por algumas feministas dessa terceira onda, alavancadas por Judith Butler, vêm no sentido de mostrar que o discurso universal é excludente; excludente porque as opressões atingem as mulheres de modos diferentes, seria necessário discutir gênero com recorte de classe e raça, levar em conta as especificidades das mulheres. Por exemplo, trabalhar fora sem a autorização do marido, jamais foi uma reivindicação das mulheres negras/pobres, assim como a universalização da categoria mulheres tendo em vista a representação política, foi feita tendo como base a mulher branca, de classe média. Além disso, propõe, como era feito até então, a desconstrução da teorias feministas e representações que pensam a categoria de gênero de modo binário, masculino/feminino.
Simone de Beauvoir já havia desnaturalizado o ser mulher, em 1949, em O Segundo Sexo. Ao dizer que “não se nasce mulher, torna-se”, a filósofa francesa distingue entre a construção do “gênero” e o “sexo dado” e, mostra que não seria possível atribuir às mulheres certos valores e comportamentos sociais como biologicamente determinados. A divisão sexo/gênero funcionaria como uma espécie de base que funda a política feminista partindo da ideia de que o sexo é natural e o gênero é socialmente construído como algo que se impõe à mulher assumindo assim um aspecto de opressão. Essa base fundacional dual foi o ponto de partida para que Butler questionasse o conceito de mulheres como sujeito do feminismo, realizando assim uma crítica radical a esse modelo binário e empreendendo uma tentativa de desnaturalizar o gênero.
Pode-se dizer que Problemas de gênero de Butler, é um dos grandes marcos teóricos dessa terceira onda, assim como o Segundo sexo de Simone de Beauvoir foi para a segunda. Segundo Harding, “as pesquisas acadêmicas voltadas às questões feministas esforçaram-se inicialmente em estender e reinterpretar as categorias de diversos discursos teóricos de modo a tornar as atividades e relações sociais das mulheres analiticamente visíveis no âmbito das diferentes tradições intelectuais”. Além disso, seu início foi ainda marcado pelo compromisso acadêmico direcionado à causa da emancipação das mulheres.
Faz-se importante ressaltar que não existe apenas um enfoque feminista, há diversidade quanto às posições ideológicas, abordagens e perspectivas adotadas, assim como há grupos diversos, com posturas e ações diferentes.
A relação entre política e representação é uma das mais importantes no que diz respeito à garantia de direitos para as mulheres e é justamente por isso que é necessário rever e questionar quem são esses sujeitos que o feminismo estaria representando. Se a universalização da categoria mulheres não for combatida, o feminismo continuará deixando de fora diversas outras mulheres e alimentando assim as estruturas de poder.
A partir dos anos 2000, começa a ganhar força e fazer parte do cotidiano o acesso à internet, dando início a um processo de reconfiguração e um impulso do feminismo que tem alguns traços particulares, como o uso de redes sociais, horizontalidade, altermundismo, etc. As novas formas de tecnologias de comunicação e informação não são apenas um canal de comunicação e visibilidade dos movimentos; as redes sociais digitais constituem um componente relevante para compreender a constituição dessas organizações. As redes formam um território de ação política em que se produzem disputas em torno do seu controle e é lá que novos membros são formados.
A popularização da internet possibilita maior democratização na construção e divulgação de ideias, na medida em que qualquer um pode criar textos e vídeos e compartilhá-los nas redes sociais digitais. Assim, ideias feministas antes restritas a pequenos grupos tomam grandes proporções. Por isso a quarta onda do feminismo no Brasil, a qual estamos vivendo, é chamada por Felgueiras (2017, p. 119) de ciberfeminismo, já que é formada por “jovens militantes que foram criadas já na era digital e que compreendem o alcance desta ferramenta de comunicação e sabem muito bem como utilizá-la”. A internet criaria uma comunidade de mulheres ciberativistas e também proporciona a construção e divulgação de diversas vertentes feministas, que serão abordadas a seguir.

Qual é o seu feminismo? Conheça as principais vertentes do movimento

O que é feminismo? Essa é uma daquelas perguntas que não têm resposta definitiva. "Hoje vivemos os 'feminismos'. Sempre temos que falar no plural, pois este é um movimento marcado por uma dinâmica horizontal", disse a pesquisadora Carolina Branco de Castro Ferreira, em entrevista ao Brasil Post.
Fundadora do site “Think Olga”, a jornalista Juliana de Faria diz acreditar que as redes sociais hoje são muito importantes para a remodelação do feminismo, saindo do sujeito mulher branca, de classe média, que luta por direitos civis para inclusão das mulheres negras, da periferia, jovens, a diversidade de mulheres. "O feminismo pode ser o que quer que as pessoas façam dele, desde que condizente com suas bases", disse ao jornal O Globo.
Atualmente, no Brasil, os movimentos mais populares, segundo a pesquisadora Carolina Branco Castro Ferreira, são: o feminismo negro, o feminismo radical e o feminismo interseccional. Ainda existem o feminismo trans e o feminismo liberal, que estamos "importando" dos Estados Unidos por meio da cultura pop. É claro que há diversos matizes entre essas grandes vertentes. Mas compreendê-las pode ajudar a responder aquela pergunta do início do texto.

Feminismo negro
"O feminismo negro chega nos anos 80, concomitantemente com o fortalecimento do movimento negro no Brasil, e depois as mulheres vão fazendo seus próprios grupos", explica Carolina. Ele surge da ideia de que a mulher negra, por sofrer de uma dupla opressão, não é representada por outros "feminismos". "O profundo debate de raça e gênero é o que diferencia o feminismo negro de outros feminismos", explicam Nênis Vieira, Xan Ravelli, Larissa Santiago, Maria Rita Casagrande e Charô Nunes, do site BlogueirasNegras.org.
"Ele inclui pautas como, no caso brasileiro, o genocídio da juventude negra e como isso tem impactado as mulheres negras. Questões como a intolerância religiosa e a valorização das religiões de matriz africana são também parte do debate feminista negro que, acreditamos, não sejam pautas nem prioridades em outros feminismos".
"A opressão da mulher negra não é mais importante que a opressão da mulher branca, porém a mulher negra carrega outras questões que não atingem diretamente a mulher branca. Questões essas que nos transpassam além do gênero e que devem ser discutidas com um viés diferente.", afirma Mara Gomes, administradora da página A mulher negra e o feminismo, para o site blogueirasnegras.
Audre Lorde, Suely Carneiro e Angela Davis são algumas das formuladoras desta corrente.

Feminismo radical
O feminismo radical nasceu entre os anos 60 e 70, a partir das obras de Shulamith Firestone e Judith Brown. Ao contrário do feminismo liberal, popular nos Estados Unidos, que vê o machismo como fruto de leis desiguais, ou o feminismo socialista, que vê no capitalismo a fonte da desigualdade entre gêneros, o feminismo radical acredita que a raiz da opressão feminina são aos papéis sociais inerentes aos gêneros.
A partir dos anos 2010, com o boom do feminismo na internet, a vertente radical foi retomada por garotas jovens, autodenominadas "radfem". "São mulheres jovens, que reivindicam uma espécie de volta de um determinismo quase que biológico: mulheres são aquelas que têm vagina, que têm filhos, que têm ovário", comenta Carolina.
"As radfem recuperam esse argumento dos anos 60 e 70 e adaptam a questões atuais. Por exemplo: parte delas acha um absurdo que mulheres transsexuais se auto-identifiquem como feministas, porque elas nasceram biologicamente como homens", diz Carolina.

Feminismo interseccional
O feminismo interseccional é uma colcha de retalhos. Ele procura conciliar as demandas de gênero com as de outras minorias, considerando classe social, raça, orientação sexual, deficiência física... São exemplos de feminismo interseccional o transfeminismo, o feminismo lésbico e o feminismo negro.
“A visão de que as mulheres experimentam a opressão em configurações variadas e em diferentes graus de intensidade. Padrões culturais de opressão não só estão interligados, mas também estão unidos e influenciados pelos sistemas intersecionais da sociedade.” explica Kimberlé Crenshaw que batizou o termo interseccional em seu livro,em 1989.
Mas como tanta diversidade consegue caminhar na mesma direção? "É uma tentativa de grupos de costurarem demandas, o que não é fácil. Algumas vezes, na prática, é difícil operar politicamente", comenta Carolina. Algumas das principais figuras do movimento intersec são as estudiosas Kimberlé Crenshaw, Audre Lorde e bell hooks.
Este também é o feminismo mais receptivo à participação dos homens no movimento. "As radicais, nos anos 70 e mesmo hoje são completamente contra, porque para elas homens são opressores por natureza", explica Carolina, que se considera uma feminista interseccional.
Um movimento que se pauta em aprendizagem com o outro é muito saudável e enriquecedor. Pra mim é essencial que feministas brancas estejam a par do que as mulheres negras estão discutindo, assim como pra mim é importante eu saber o que acontece com as pessoas trans uma vez que eu sou cisgênero”, explica a estudante de artes visuais Julia França. Se descobriu feminista aos 15 anos e hoje, aos 19, trabalha como colaboradora no site CapitolinaSe o nosso feminismo não é pra todas essas mulheres, pra quem ele é?

Transfeminismo
O transfeminismo surgiu como uma corrente voltada apenas para as questões de pessoas trans — alguém que tem uma identidade de gênero diferente daquela esperada pela sociedade em função do seu sexo biológico. A falta de visibilidade e a exclusão no feminismo foram motivos para a organização de uma estrutura própria.

Feminismo liberal
O objetivo das feministas liberais é assegurar a igualdade entre homens e mulheres na sociedade por meio de reformas políticas e legais. O feminismo liberal prega que as mulheres podem vencer a desigualdade das leis e dos costumes gradativamente, combatendo situações injustas pela via institucional e conquistando cada vez mais representatividade política e econômica por meio das ações individuais. Por isso, a ascensão de mulheres a posições em instituições como o congresso, os meios de comunicação e as lideranças de empresas são vitais para esta visão do feminismo.
Mary Wollstonecraft, Betty Friedan, Gloria Steinem e o filósofo John Stuart Mill são alguns de seus formuladores.
Muito recorrente no meio feminista, o termo “sororidade” é uma das reivindicações do feminismo liberal, numa tentativa de unificar todas as mulheres dentro um grupo forte e coeso. Só poderia querer fazer isso quem não tem condições de analisar que as mulheres são plurais, que tem demandas diferentes, e que dentro destas demandas, existem as reivindicações de classe contra o capitalismo e sua elite, e dentro desta elite existem mulheres que beneficiam-se da estrutura patriarcal e machista para manutenção dos seus privilégios, e escolhem para mantê-los, e oprimir outras mulheres.
Por conta disto, muitas mulheres já perceberam algo interessante nesta reivindicação de amor entre as mulheres como se fossem irmãs: Esta tal sororidade é Seletiva.
Com a justificativa da “sororidade”, para evitar “rivalização feminina”, pra evitar “brigas internas” e, basicamente, pra colocar panos quentes em discussões, tornou-se impossível se criticar qualquer posicionamento ou atitude (e, principalmente, a falta de um posicionamento ou de uma atitude) de uma mulher — só por ela ser mulher. Isso deu margem pro desenvolvimento de um pseudofeminismo (sim) extremamente individualista e egoísta (mais do que já seria esperado de um “feminismo” liberal).
O feminismo é um movimento político. Não é sobre autoidentificação. Não é uma cultura, não é uma religião, não é uma ideologia. É um movimento social e político. Assim sendo, é altamente desmerecedor e desrespeitoso com as mulheres que lutam e lutaram durante tantos anos pra construir esse movimento — por meio da academia, de política, do direito, da mídia, da militância alternativa, da militância de base, enfim — você achar que pode se declarar feminista e ficar por isso mesmo, sem mexer um dedo pra ler uma linha de teoria, sem mexer um tendão pra fazer qualquer coisa de prática por mulheres reais.
É por falta de coragem e de comprometimento que não conseguimos sair dessa fase de feminismo liberal. E, por fim, é por falta de cobrança de atitude que as coisas, quando mudam, se mudam, o fazem muuuuito devagar… (Porque se você cobra, se você dá aquele puxão de orelha, você é A Chata, A Arrogante, A Que Se Acha Melhor. Então, claro, ninguém quer ser essa figura, até porque isso geraria ranço e isolamento).
Uma cultura de cobrança é necessária sim. Cobrança não é tão negativa assim em 100% das vezes. Autocobrança e cobrança de nossas companheiras e de nossas camaradas de luta. Cobrança pra que tenhamos responsabilidade com o movimento de que dizemos participar. Cobrança pra que tenhamos mulheridade pra assumir responsabilidades e tomar ações que nem sempre vão ser o que pessoalmente queremos, mas que coletivamente nos beneficiarão.
E, até, um pouco de fé na deusa pra que nunca nos falte autocrítica!
A página do facebook “Feminismo sem demagogia”, de vertente marxista, afirma a reivindicação de que ao contrário de Sororidade, usemos o termo camaradagem. Camaradagem significa confiar a própria vida a nossas e nossos companheiros, e esta união dá se além do generos. Mas ela delimita para quem é nossa solidariedade e para quem é o nosso máximo comprometimento, que é para nossas companheiras de classe. Isso não significa de forma alguma que não defenderemos as mulheres burguesas quando elas sofrerem machismo, isso significa que nós temos conhecimento de que elas nem sempre estarão ao nosso lado e muitas delas estarão contra nós, assumindo posição de exploração contra as mulheres e opressoras.


Fontes:
https://medium.com/qg-feminista/ficar-inerte-n%C3%A3o-%C3%A9-feminista-e69d321838a6
Artigo: A quarta onda feminista: interseccional, digital e coletiva https://alacip.org/cong19/25-perez-19.pdf



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