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sexta-feira, 12 de junho de 2020

Como o dia dos namorados te atinge?

Mais uma vez o feminismo me salvou! O feminismo liberta! Parece até coisa de “palavra da salvação”, né? Mas também não deixa de ser um tanto disso pra mim que passei muitos anos da vida, antes de conhecer o feminismo, me culpando por ser sempre preterida, viver triste por isso e ser tomada pela tristeza no tão propalado dia dos namorados.

Eu sou aquela que recebe muitos elogios e ao mesmo tempo me sentia uma merda. Os muitos elogios geralmente eram pra conseguir me comer mesmo ou pra de uma forma não muito dura ser dispensada de uma relação mais séria. Sou uma ótima amiga, inteligente, engraçada, boa de cama, enfim, uma ótima companhia, MAS, não dá pra levar mais adiante porque não estou preparado pra isso (não muito depois a pessoa aparece namorando), ou já sou comprometido, ou um você é muito especial e merece coisa melhor, uma gama de desculpas que quem é mulher e tá lendo, já sabe como é. 

E digo isso com a certeza de que boa parte das mulheres, em especial as negras, já ouviram e viveram essa história, sempre existe esse “mas”, não é? Pois é, só que antes do feminismo eu me culpava por isso, eu achava que era pelo fato deu ser uma “preta feia”, apelido que foi “carinhosamente” escrito num quadro na sala de aula bem na frente da cadeira onde eu me sentava no ensino médio. Tentava encontrar outros atributos então em mim que fossem mais palatáveis, ou que me tornassem mais desejável, pra me sentir aceita. Eu podia ser feia, mas era gostosa, boa de cama, era um diferencial, e o que me ajudou de fato, estudar. Eu podia ser feia, mas era inteligente, tinha muita leitura, escrevia bem, teria uma boa conversa, mesmo assim, o “mas” não deixava de me acompanhar.

Dia dos namorados então, nossa! Lembro de quantas vezes desmereci essa data, do quanto anulei, do quanto tirei por menos, denunciava como uma data comercial (o que não deixa de ser verdade também), mas no fundo morrendo de vontade de ganhar um buquê de rosas, pois nunca ganhei na vida um buquê de rosas (se bem que hoje preferiria ganhar uma roseira pra poder cultivar sempre as rosas, sou a louca das plantas atualmente), ou doida de vontade de escrever cartas românticas, que gosto muito, pensar num presente, numa surpresa, como fiz das quatro vezes que tive dia dos namorados com alguém nesses meus 24 anos de vida sexual ativa.

Hoje a data não me machuca mais e nem preciso mais maldizê-la, no máximo agora fazer umas graças com a falsa monogamia de muitos casais ou compartilhar memes engraçados, pois o feminismo, e especial o feminismo negro, me fez entender que minha solidão é algo estruturante da sociedade. Com as leituras sobre solidão da mulher negra eu consegui parar de me culpar, consegui trabalhar minha autoestima, deixar o estigma da “preta feia” para trás. Isso implica dizer que outras mulheres não sofram com a solidão? De forma alguma, até porque existem outros fatores como gordofobia, por exemplo, mulheres gordas também são preteridas, se for negra então, piorou! E leva tantas mulheres a perseguir padrões ideiais de beleza pra tentar ser aceita, se mutilando, fazendo dietas absurdas, enfim, tudo pra se sentir aceita e não ficar só. Imagina mulheres com deficiência! Ou então mulheres que são “padrão”, mas não aceitam mais caladas os sapos que temos que engolir muitas vezes dos homens pra sustentar uma relação. Se tu és uma dessas que não tolera e ainda não se identificou feminista, saiba que o feminismo já faz morada em ti!

E é justamente aí que o feminismo salva, ele te alerta que não é necessário mais tolerar, que tu não mereces essas relações, muito menos migalhas afetivas, que o mundo é diverso e tu não precisas ficar perseguindo padrão nenhum ou fazer coisas pra ser aceita e não ficar só, inclusive a solidão acaba sendo o melhor caminho para muitas escaparem de relações abusivas, por mais triste que seja afirmar isso. A solidão não é gostosa, temos que concordar, mas comparado a violência que muitas mulheres já sofreram e ainda sofrem, e que temos relatos aos montes, eu chego a me sentir grata por ter passado boa parte da minha vida só.

Enfim, o feminismo me salvou de muita violência, salvou minha autoestima, me libertou dos padrões, me ajudou a não trancar a faculdade, me ajuda a ser mãe e carregar o peso da maternidade, pois com a maternidade senti na pele o quanto o machismo pode ser ainda mais cruel com as mulheres, o feminismo me salva das culpas. Isso quer dizer que estou isenta de sentir culpa, ou de aceitar migalhas afetivas de vez em quando? Infelizmente não, pois fomos socializadas assim, numa sociedade machista, e é muito difícil se desfazer por completo de muitos anos de mundo encantado da Disney que é implantado em nossas mentes desde a infância, de toda carga diária da indústria cultural sobre padrões de beleza, pois as pessoas que te cercam, e muitas vezes até que te amam, implicitamente te cobram. Mas com o feminismo num momento tu paras e reflete, te livra do mal pensamento, te liberta, seja por si só ou por uma mana feminista que aparece do nada com uma mensagem super bacana que te dá aquele estalo na cabeça e tu pensas: Ei, já tô caindo na armadilha do patriarcado? Tu te levantas e vira o jogo, toma uma atitude, sai de um ciclo, acorda pra vida! 

Hoje eu sou mais feliz por enxergar essas verdades e sigo mais leve sozinha, cultivando diversos afetos, pois o amor é uma força incrível, te cura, o amor é revolucionário! E ele está em diversos formatos, deve ser valorizado e não desdenhado por conta das dores que infelizmente passamos, é lindo ver um casal de pretos se amando, por exemplo, ou sentir a cura que vem do amor de minha filha, e quando eu não era mãe me curava e ainda me alimento de amor com as amizades, com minhas plantas, meus estudos, minha militância, minhas conquistas, e até com os contatinhos, rs (afinal, sozinha sim, mas sem sexo também não dá, né? Huahauha! Mas até contatinhos passam por mais filtros agora e isso me ajuda a evitar problemas). E principalmente: o amor próprio! Colocando o amor por ti na frente, o resto tudinho vai fluir bem!

Com a maturidade e ajuda do feminismo a gente aprende que a felicidade não está num modelo pronto, por mais clichê que pareça dizer isso, a diferença é que a gente trabalha pra que esse clichê se torne real e deixemos de viver escravas dessa caixa de adestramento que vivemos. E o dia dos namorados que parece só uma data inocente e comercial faz parte deste adestramento, pois subliminarmente fortalece o ideal de amor romântico, da felicidade e sucesso só pra quem tem esse amor, o modelo monogâmico como o ideal e também o padrão heteronormativo. Hoje já observamos o mercado sinalizando em propagandas desta data os casais não hetero, e quando o faz de forma escancarada ainda encontra resistências! Mas isso é tão somente uma maneira do capital ampliar seu mercado consumidor, e daria com certeza um outro texto sobre apropriação de pautas sociais como estratégia de fortalecimento do sistema capitalista. Então encerro por aqui e digo:

Muito obrigada, feminismo, por me tornar uma mulher cada vez mais livre!

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