Plena sexta-feira de julho, verão paraense, e estou aqui na conclusão do último trabalho do semestre de Ciências Sociais. Este pequeno texto que fiz em conjunto com meus colegas de curso, Alexandre Blanco e Maicon Pantoja, é produto da última avaliação da disciplina Tópicos Temáticos em Ciência Política, conduzida pelo Prof. Dr. Bruno de Castro Rubiatti. Foi uma disciplina de conteúdo denso, porém bastante atualizado e nos trouxe diversas questões sobre o presidencialismo de coalizão como sistema, os custos da gerência da coalizão, o papel dos parlamentares e das comissões na câmara para aprovação de projetos e leis, bem como seu poder na agenda governamental, o lobby e a representação de interesses.
Compartilho o texto que produzimos na intenção de instigar o leitor a refletir sobre o tema e se houver maior interesse, buscar mais sobre, a gama de texto que tivemos acesso nesta disciplina explica muito da crise política que estamos vivenciando em nosso país.
PRESIDENCIALISMO BRASILEIRO E A CRISE POLÍTICA
VIVENCIADA NO PAÍS
Alexandre José Blanco Pereira
Ana Carla Tavares Franco
Maicon Silva Pantoja
Universidade Federal do Pará
O
termo “presidencialismo de coalisão”, cunhado para descrever o sistema político
brasileiro, segue seu debate como um tipo de presidencialismo multipartidário,
proporcional, no qual o presidente não consegue fazer maioria com o seu partido
no congresso, portanto, realiza alianças, coalizões para apoiar suas políticas
e governo.
Possui
origem histórica e profunda no Brasil, desde 1946 o país tem coalizões. Atualmente
o presidente mantem-se no poder de forma estável, mas o congresso adquiriu
possibilidades de controle de agenda governamental, fazendo com que o
presidente dependa crucialmente de uma coalizão majoritária para governar. Na
realidade, representa um sistema de alianças de governo, prática que produziu
disfunções tais como o domínio do clientelismo e perda de qualidade das
políticas públicas. O modelo clássico de coalisão, o governo parlamentarista,
com os partidos no campo fazendo campanha para o parlamento e a distribuição
das cadeiras, difere do presidencialismo que monta seu governo de forma direta
e no caso do Brasil atinge extrema fragmentação.
Se
no parlamentarismo é a coalisão que forma o governo, no caso do
presidencialismo o governo é realizado pelo presidente e após a coalisão é
montada, ou seja, ao negociar a coalisão estão negociando programas. O programa
em tese é o proposto pela coalisão vencedora, apesar das incertezas. O espaço
para negociação programática na coalisão poderá ser mínimo de acordo com as
condições em que se encontre conveniências.
Em
tese, produz-se um sistema hiper fragmentado e difícil de governar, com a
necessidade de concessões por parte do presidente a partir da concentração de
suas prerrogativas de gerenciamento da coalisão. O presidencialismo de
coalisão, enquanto termo recente, ao pensar a formação de gabinetes
multipartidários dando apoio ao presidente, reflete uma prática considerada até
então exclusiva de sistemas parlamentaristas. O compartilhamento das tarefas de
governo realizadas no presidencialismo em boa medida tem como objetivo criar
medidas de sustentação das políticas de governo no âmbito do congresso. Uma
modalidade de organização das relações entre os poderes com base em um gabinete
que traz partidos legislativos que não os do presidente para realização das
atividades e tarefas de governo.
Em suma, a ideia do presidencialismo de coalizão no Brasil
assenta-se no papel do presidente da República buscar a formação de coalizões
multipartidárias que sustentem o seu governo. O
presidencialismo de coalizão não é um sistema de governo e, sim, um arranjo
político-institucional que visa, por meio da coordenação política entre
Executivo e Legislativo, manter a governabilidade no país oferecendo a
maioria de que dispõem no Congresso para apoiar a agenda presidencial. O
chefe do Executivo é responsável por decidir os partidos com quem irá governar
e de que forma irá alocar os recursos de poder e financeiros disponíveis a
esses partidos. O executivo é detentor de uma vasta “caixa de ferramentas”
(Raile, Pereira e Power, 2010) para gerenciar coalizões. O caso brasileiro é
pitoresco pela presença de características institucionais que, combinadas,
poderiam ser desastrosas para o funcionamento e a manutenção da democracia com
um presidente constitucionalmente forte, multipartidarismo, eleições no
Legislativo com voto em lista aberta e representação proporcional, fragmentação
partidária, federalismo e polarização ideológica (Linz, 1990; Mainwaring, 1993;
Shugart e Carey, 1992; Stepan e Skach, 1993).
Outro aspecto da instabilidade deste
modelo é a ausência de disciplina partidária, fragmentação das forças
políticas existentes no País e a incapacidade de o Poder Executivo exercer o
seu papel, podendo gerar um problema no modelo político e de gestão do Estado.
Observamos este aspecto na atual gestão do governo Bolsonaro, que tem a obrigação de convencer os parlamentares a
votar no projeto de reforma que é do Executivo e, transferir essa responsabilidade para os presidentes
da Câmara e do Senado. Hoje a crise política não é apenas uma crise de
gestão política, é uma crise sistêmica do modelo brasileiro. Outro aspecto
desse modelo débil é a fragilidade dos partidos políticos brasileiros que viriam
a se tornar uma grande dificuldade que passou a ser um “muro” na formação
de uma base de sustentação ao presidente anômala e com tendência a
instabilidade política.
Os
trabalhos iniciais apontavam a singularidade da experiência brasileira, mas já
existem pesquisas que demonstram como esse tipo de gabinete está presente em
vários sistemas presidencialistas, a forma como se organiza, como os partidos
participam do governo, por exemplo, como o governo busca esse apoio, em alguns
casos, nomeações aos ministérios, em outros cenários práticas mais
clientelistas, como o acesso a recursos dos ministérios e órgãos dos governos
atrativos aos parlamentares, mas está presente em outros sistemas
presidencialistas, inclusive em sistemas semi presidencialistas.
A
ciência política brasileira compreende que o presidencialismo poderia funcionar
de maneira estável com coalisões e descreveu como isso se daria, a partir de
Sérgio Abranches que põe o problema, Fernando Limongi e Argelina Figueiredo com
as pesquisas de votação no plenário, descreveram o modus operandi analisados
por esses cientistas políticos. Um grande feito para modificar a ortodoxia de
centro, explorada pelas propriedades dinâmicas do sistema a médio e longo prazo,
não haviam sido analisadas com mais profundidade até então.
Atualmente
as bancadas perderam tamanho, bancadas médias bem menores que as do início dos
anos 90 e a fragmentação dos partidos tirou todos os 'pivôs', ou seja, os
organizadores do jogo no congresso, ficou mais inorgânico, desestruturado, há
ironia sobre a crise do presidencialismo de coalisão pela exacerbação dos seus
efeitos pela operação continuada durante os anos, porém não há uma solução
estruturada, uma resolução fechada para o impasse, fruto do quadro
institucional vigente.
O
sistema eleitoral proporcional, em lista aberta, com distritos com quociente
eleitoral com pouco mais de 1%, ou seja, ingredientes que produziram um
presidencialismo que dependia de coalisões estão vigentes, perdendo
legitimidade na medida em que seus efeitos se aprofundam, em cenários com
partidos que desenvolvem-se efetivamente, alterando-se quantitativamente.
Significa
dizer que talvez o presidencialismo de coalisão esteja perdendo
credibilidade/legitimidade no momento em que o sistema político está subordinado
e capturado pelos seus problemas, neste momento, um grande número de pequenas
bancadas no congresso e um presidente eleito de forma desconectada do mapa
partidário. Traços preocupantes do presidencialismo de coalisão estão mais
fortes que em qualquer outra época, o desafio para o Brasil.
A
opção por formar coalisões não é um capricho do presidente, ou voluntário, mas
sim, resultado de constrangimentos políticos que o presidente tem pra governar,
um sistema eleitoral proporcional que favorece a eleição de muitos partidos no
congresso, fragmentado. A estrutura federativa do Brasil em que os governadores
e regiões tem demandas específicas e buscam desenvolver suas influências diante
do governo federal são incentivos e constrangimentos que tornam o presidencialismo
de coalisão uma necessidade, então o presidente forma a coalisão de maneira que
não contempla somente suas necessidades.
O
congresso se mantém fragmentado, está mais pulverizado, com a força parlamentar
menor representado pela eleição de 2018, que acentuou esse cenário. Não
significa que as coalisões serão formadas da mesma forma, mas certamente, a
lógica de associação e alianças com os partidos parlamentares e sua
participação no governo irá persistir.
Uma
hipótese recorrente dos estudos sobre o presidencialismo de coalisão é que o
governo funciona bem se os partidos são recompensados devidamente, se recebem
uma proporção de ministérios de acordo com seu peso parlamentar, observado por
todos os presidentes deste a redemocratização do Brasil.
Neste
aspecto, os governos precisam investir em coalisões governativas com os
partidos legislativos, caso contrário operar com coalisões legislativas, buscar
o apoio dos partidos e das bancadas para aprovar certos temas, coalisões mais
pontuais a depender dos temas em votação. Coalisões mais instáveis, fluidas,
que exigem esforço maior de coordenação porque precisam ser negociadas a todo
momento. Nesta direção, sinaliza-se coalisões legislativas a partir de bancadas
que se aglutinam a partir da defesa de determinado tema, tais como o ruralismo,
a bancada da bala, a previdência social.
São
temas de relevância central para legisladores de diferentes partidos, as
bancadas não oferecem apoio sólido a um presidente que tem agenda que passa por
assuntos muito distintos. Dificilmente manterão sustentação para o conjunto dos
temas, certamente os partidos continuam sendo atores centrais embora dada a
fragmentação do congresso, investimento na reorganização da base partidária no
congresso pelo presidente.
No
Brasil, a relação do governo com o congresso tendo em vista a câmara dos
deputados, a primeira a analisar os projetos do governo com grande centralidade
em um sistema bicameral, é responsável por parte das dificuldades de coalisão
na coordenação das duas casas. Neste sentido, é importante discorrer sobre os
custos da coalizão neste sistema.
O
presidente eleito pode pensar em bancadas temáticas para montar governo e
haverá bancadas de determinadas áreas que fará lobbies pela indicação de
ministros, ou algo parecido. Outra análise diz que haverá a aprovação de alguma
emenda constitucional em que deverá aglutinar grande parte dos deputados, ou
mais do que isso, ter os 3/5 para as emendas constitucionais, nesse caso, um
impasse surge às bancadas temáticas, dispersadas em temas sem organicidade. Os
partidos são mais confiáveis por seus propósitos conjuntos, uma oposição que
dificulta ou uma situação que acelera os processos institucionais.
Tende-se
a pensar a montagem da coalizão como um ato de “compra”, em que o chefe do
Executivo realiza o pagamento para obter a governabilidade, que teria como
consequência o desvirtuamento do programa de governo. “As investigações da Lava
Jato teriam revelado o custo do presidencialismo de coalizão ou, mais
exatamente, o preço pago pelo Executivo para obter apoio parlamentar. Um alto
preço que sempre esteve presente, mesmo nos momentos de ‘bonança’, um custo nem
sempre visível, mas que as investigações estariam revelando que teria ‘estado
lá’ o tempo todo. Bem consideradas as coisas, seguindo essa linha de
raciocínio, a ‘cooperação’ entre os poderes teria se resumido a poucos períodos
do governo de Fernando Henrique Cardoso e de Lula, repousando, em última
análise, nas qualidades excepcionais desses líderes para manter o Congresso sob
seu controle”. (LIMONGI e FIGUEIREDO, 2017, p. 80)
Desta forma, a raiz da crise atual seria o
modelo de presidencialismo de coalizão, que estaria encontrando seus limites e
somente com sua transformação radical ou mesmo abandono do modelo é que seria
possível sair do buraco em que o país se meteu. Porém, se colocado o debate
nesses termos, este torna-se necessariamente vago. Não há dúvidas de que em
nosso país as três coisas – crises, presidencialismo e coalizões – coexistem,
mas qual seria o modelo alternativo? E qual a verdadeira raiz do problema? O
presidencialismo ou a coalizão?
O
parlamentarismo é visto como uma das soluções, mas no Brasil dificilmente seria
possível este regime e os eventuais primeiros-ministros não fossem forçados a
recorrer a coalizões. É possível imaginar no Brasil um sistema bipartidário,
com possibilidade real do presidente ter maioria parlamentar, sendo
presidencialismo sem haver a coalizão? Ou um governo unipartidário? Em suma,
não são trazidas propostas concretas ao debate e este acaba sendo vago, povoado
por referências à reforma política.
Ao
longo da crise brasileira, a corrupção e o presidencialismo de coalizão
passaram a ser identificados como o preço a ser pago pelo presidente para obter
apoio parlamentar. Assume-se que essa necessidade, a busca pela maioria,
colocaria o presidente nas mãos dos partidos encastelados no Congresso, porém
seria diferente se o partido do governo controlasse a maioria das cadeiras
legislativas? Em outros termos, o presidencialismo de coalizão leva a culpa e
implica assim ao retorno da tese da irresponsabilidade do Legislativo e da
falta de compromisso com princípios e programas que caracterizaria os políticos
brasileiros.
“Mesmo
no argumento alegada ou supostamente institucional, a corrupção e a crise que o
país vem enfrentando pouco tem a ver com o desenho institucional. Reconhecer
que instituições importam não é o mesmo que dizer que só instituições importam.
Não há sistema político imune a crises. Não há sistema político que funcione
sem que políticos façam escolhas, definam seus objetivos e estratégias para
lidar com seus aliados e seus inimigos. E essas escolhas têm consequências, nem
sempre as melhores ou aquelas com as quais concordemos. Em uma palavra, não há
sistema que prescinda da política”. (LIMONGI e FIGUEIREDO, 2017, p. 96)
BIBLIOGRAFIA:
BERTHOLINI, Frederico e PEREIRA, Carlos.
Pagando o preço de governar: custos da gerência de coalizão no Presidencialismo
Brasileiro. RAP, v. 51, n. 4, 2017, p. 528-550
LIMONGI, Fernando e FIGUEIREDO, Argelina. A
crise atual e o debate institucional. Novos Estudos CEBRAP, v. 36, n. 3, 2017,
p. 79-97
RODRIGUES, Leôncio
Martins Rodrigues. Partidos, Ideologia e composição social: Um estudo das
bancadas partidárias na Câmara dos Deputados. São Paulo: Edusp, 2002 (cap. 1,
p. 25-50)