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sexta-feira, 19 de julho de 2019

Presidencialismo no Brasil e Crise Política

Plena sexta-feira de julho, verão paraense, e estou aqui na conclusão do último trabalho do semestre de Ciências Sociais. Este pequeno texto que fiz em conjunto com meus colegas de curso, Alexandre Blanco e Maicon Pantoja, é produto da última avaliação da disciplina Tópicos Temáticos em Ciência Política, conduzida pelo Prof. Dr. Bruno de Castro Rubiatti. Foi uma disciplina de conteúdo denso, porém bastante atualizado e nos trouxe diversas questões sobre o presidencialismo de coalizão como sistema, os custos da gerência da coalizão, o papel dos parlamentares e das comissões na câmara para aprovação de projetos e leis, bem como seu poder na agenda governamental, o lobby e a representação de interesses.
Compartilho o texto que produzimos na intenção de instigar o leitor a refletir sobre o tema e se houver maior interesse, buscar mais sobre, a gama de texto que tivemos acesso nesta disciplina explica muito da crise política que estamos vivenciando em nosso país.  


PRESIDENCIALISMO BRASILEIRO E A CRISE POLÍTICA VIVENCIADA NO PAÍS

Alexandre José Blanco Pereira
Ana Carla Tavares Franco
Maicon Silva Pantoja
Universidade Federal do Pará

O termo “presidencialismo de coalisão”, cunhado para descrever o sistema político brasileiro, segue seu debate como um tipo de presidencialismo multipartidário, proporcional, no qual o presidente não consegue fazer maioria com o seu partido no congresso, portanto, realiza alianças, coalizões para apoiar suas políticas e governo.
Possui origem histórica e profunda no Brasil, desde 1946 o país tem coalizões. Atualmente o presidente mantem-se no poder de forma estável, mas o congresso adquiriu possibilidades de controle de agenda governamental, fazendo com que o presidente dependa crucialmente de uma coalizão majoritária para governar. Na realidade, representa um sistema de alianças de governo, prática que produziu disfunções tais como o domínio do clientelismo e perda de qualidade das políticas públicas. O modelo clássico de coalisão, o governo parlamentarista, com os partidos no campo fazendo campanha para o parlamento e a distribuição das cadeiras, difere do presidencialismo que monta seu governo de forma direta e no caso do Brasil atinge extrema fragmentação.
Se no parlamentarismo é a coalisão que forma o governo, no caso do presidencialismo o governo é realizado pelo presidente e após a coalisão é montada, ou seja, ao negociar a coalisão estão negociando programas. O programa em tese é o proposto pela coalisão vencedora, apesar das incertezas. O espaço para negociação programática na coalisão poderá ser mínimo de acordo com as condições em que se encontre conveniências.
Em tese, produz-se um sistema hiper fragmentado e difícil de governar, com a necessidade de concessões por parte do presidente a partir da concentração de suas prerrogativas de gerenciamento da coalisão. O presidencialismo de coalisão, enquanto termo recente, ao pensar a formação de gabinetes multipartidários dando apoio ao presidente, reflete uma prática considerada até então exclusiva de sistemas parlamentaristas. O compartilhamento das tarefas de governo realizadas no presidencialismo em boa medida tem como objetivo criar medidas de sustentação das políticas de governo no âmbito do congresso. Uma modalidade de organização das relações entre os poderes com base em um gabinete que traz partidos legislativos que não os do presidente para realização das atividades e tarefas de governo.
Em suma, a ideia do presidencialismo de coalizão no Brasil assenta-se no papel do presidente da República buscar a formação de coalizões multipartidárias que sustentem o seu governo. O presidencialismo de coalizão não é um sistema de governo e, sim, um arranjo político-institucional que visa, por meio da coordenação política entre Executivo e Legislativo, manter a governabilidade no país oferecendo a maioria de que dispõem no Congresso para apoiar a agenda presidencial.  O chefe do Executivo é responsável por decidir os partidos com quem irá governar e de que forma irá alocar os recursos de poder e financeiros disponíveis a esses partidos. O executivo é detentor de uma vasta “caixa de ferramentas” (Raile, Pereira e Power, 2010) para gerenciar coalizões. O caso brasileiro é pitoresco pela presença de características institucionais que, combinadas, poderiam ser desastrosas para o funcionamento e a manutenção da democracia com um presidente constitucionalmente forte, multipartidarismo, eleições no Legislativo com voto em lista aberta e representação proporcional, fragmentação partidária, federalismo e polarização ideológica (Linz, 1990; Mainwaring, 1993; Shugart e Carey, 1992; Stepan e Skach, 1993). 
Outro aspecto da instabilidade deste modelo é a ausência de disciplina partidária, fragmentação das forças políticas existentes no País e a incapacidade de o Poder Executivo exercer o seu papel, podendo gerar um problema no modelo político e de gestão do Estado. Observamos este aspecto na atual gestão do governo Bolsonaro, que tem a obrigação de convencer os parlamentares a votar no projeto de reforma que é do Executivo e, transferir essa responsabilidade para os presidentes da Câmara e do Senado. Hoje a crise política não é apenas uma crise de gestão política, é uma crise sistêmica do modelo brasileiro. Outro aspecto desse modelo débil é a fragilidade dos partidos políticos brasileiros que viriam a se tornar uma grande dificuldade que passou a ser um “muro” na formação de uma base de sustentação ao presidente anômala e com tendência a instabilidade política.
Os trabalhos iniciais apontavam a singularidade da experiência brasileira, mas já existem pesquisas que demonstram como esse tipo de gabinete está presente em vários sistemas presidencialistas, a forma como se organiza, como os partidos participam do governo, por exemplo, como o governo busca esse apoio, em alguns casos, nomeações aos ministérios, em outros cenários práticas mais clientelistas, como o acesso a recursos dos ministérios e órgãos dos governos atrativos aos parlamentares, mas está presente em outros sistemas presidencialistas, inclusive em sistemas semi presidencialistas.
A ciência política brasileira compreende que o presidencialismo poderia funcionar de maneira estável com coalisões e descreveu como isso se daria, a partir de Sérgio Abranches que põe o problema, Fernando Limongi e Argelina Figueiredo com as pesquisas de votação no plenário, descreveram o modus operandi analisados por esses cientistas políticos. Um grande feito para modificar a ortodoxia de centro, explorada pelas propriedades dinâmicas do sistema a médio e longo prazo, não haviam sido analisadas com mais profundidade até então.
Atualmente as bancadas perderam tamanho, bancadas médias bem menores que as do início dos anos 90 e a fragmentação dos partidos tirou todos os 'pivôs', ou seja, os organizadores do jogo no congresso, ficou mais inorgânico, desestruturado, há ironia sobre a crise do presidencialismo de coalisão pela exacerbação dos seus efeitos pela operação continuada durante os anos, porém não há uma solução estruturada, uma resolução fechada para o impasse, fruto do quadro institucional vigente.
O sistema eleitoral proporcional, em lista aberta, com distritos com quociente eleitoral com pouco mais de 1%, ou seja, ingredientes que produziram um presidencialismo que dependia de coalisões estão vigentes, perdendo legitimidade na medida em que seus efeitos se aprofundam, em cenários com partidos que desenvolvem-se efetivamente, alterando-se quantitativamente.
Significa dizer que talvez o presidencialismo de coalisão esteja perdendo credibilidade/legitimidade no momento em que o sistema político está subordinado e capturado pelos seus problemas, neste momento, um grande número de pequenas bancadas no congresso e um presidente eleito de forma desconectada do mapa partidário. Traços preocupantes do presidencialismo de coalisão estão mais fortes que em qualquer outra época, o desafio para o Brasil.
A opção por formar coalisões não é um capricho do presidente, ou voluntário, mas sim, resultado de constrangimentos políticos que o presidente tem pra governar, um sistema eleitoral proporcional que favorece a eleição de muitos partidos no congresso, fragmentado. A estrutura federativa do Brasil em que os governadores e regiões tem demandas específicas e buscam desenvolver suas influências diante do governo federal são incentivos e constrangimentos que tornam o presidencialismo de coalisão uma necessidade, então o presidente forma a coalisão de maneira que não contempla somente suas necessidades.
O congresso se mantém fragmentado, está mais pulverizado, com a força parlamentar menor representado pela eleição de 2018, que acentuou esse cenário. Não significa que as coalisões serão formadas da mesma forma, mas certamente, a lógica de associação e alianças com os partidos parlamentares e sua participação no governo irá persistir.
Uma hipótese recorrente dos estudos sobre o presidencialismo de coalisão é que o governo funciona bem se os partidos são recompensados devidamente, se recebem uma proporção de ministérios de acordo com seu peso parlamentar, observado por todos os presidentes deste a redemocratização do Brasil.
Neste aspecto, os governos precisam investir em coalisões governativas com os partidos legislativos, caso contrário operar com coalisões legislativas, buscar o apoio dos partidos e das bancadas para aprovar certos temas, coalisões mais pontuais a depender dos temas em votação. Coalisões mais instáveis, fluidas, que exigem esforço maior de coordenação porque precisam ser negociadas a todo momento. Nesta direção, sinaliza-se coalisões legislativas a partir de bancadas que se aglutinam a partir da defesa de determinado tema, tais como o ruralismo, a bancada da bala, a previdência social.
São temas de relevância central para legisladores de diferentes partidos, as bancadas não oferecem apoio sólido a um presidente que tem agenda que passa por assuntos muito distintos. Dificilmente manterão sustentação para o conjunto dos temas, certamente os partidos continuam sendo atores centrais embora dada a fragmentação do congresso, investimento na reorganização da base partidária no congresso pelo presidente.
No Brasil, a relação do governo com o congresso tendo em vista a câmara dos deputados, a primeira a analisar os projetos do governo com grande centralidade em um sistema bicameral, é responsável por parte das dificuldades de coalisão na coordenação das duas casas. Neste sentido, é importante discorrer sobre os custos da coalizão neste sistema.
O presidente eleito pode pensar em bancadas temáticas para montar governo e haverá bancadas de determinadas áreas que fará lobbies pela indicação de ministros, ou algo parecido. Outra análise diz que haverá a aprovação de alguma emenda constitucional em que deverá aglutinar grande parte dos deputados, ou mais do que isso, ter os 3/5 para as emendas constitucionais, nesse caso, um impasse surge às bancadas temáticas, dispersadas em temas sem organicidade. Os partidos são mais confiáveis por seus propósitos conjuntos, uma oposição que dificulta ou uma situação que acelera os processos institucionais.
Tende-se a pensar a montagem da coalizão como um ato de “compra”, em que o chefe do Executivo realiza o pagamento para obter a governabilidade, que teria como consequência o desvirtuamento do programa de governo. “As investigações da Lava Jato teriam revelado o custo do presidencialismo de coalizão ou, mais exatamente, o preço pago pelo Executivo para obter apoio parlamentar. Um alto preço que sempre esteve presente, mesmo nos momentos de ‘bonança’, um custo nem sempre visível, mas que as investigações estariam revelando que teria ‘estado lá’ o tempo todo. Bem consideradas as coisas, seguindo essa linha de raciocínio, a ‘cooperação’ entre os poderes teria se resumido a poucos períodos do governo de Fernando Henrique Cardoso e de Lula, repousando, em última análise, nas qualidades excepcionais desses líderes para manter o Congresso sob seu controle”. (LIMONGI e FIGUEIREDO, 2017, p. 80)
 Desta forma, a raiz da crise atual seria o modelo de presidencialismo de coalizão, que estaria encontrando seus limites e somente com sua transformação radical ou mesmo abandono do modelo é que seria possível sair do buraco em que o país se meteu. Porém, se colocado o debate nesses termos, este torna-se necessariamente vago. Não há dúvidas de que em nosso país as três coisas – crises, presidencialismo e coalizões – coexistem, mas qual seria o modelo alternativo? E qual a verdadeira raiz do problema? O presidencialismo ou a coalizão?
O parlamentarismo é visto como uma das soluções, mas no Brasil dificilmente seria possível este regime e os eventuais primeiros-ministros não fossem forçados a recorrer a coalizões. É possível imaginar no Brasil um sistema bipartidário, com possibilidade real do presidente ter maioria parlamentar, sendo presidencialismo sem haver a coalizão? Ou um governo unipartidário? Em suma, não são trazidas propostas concretas ao debate e este acaba sendo vago, povoado por referências à reforma política.
Ao longo da crise brasileira, a corrupção e o presidencialismo de coalizão passaram a ser identificados como o preço a ser pago pelo presidente para obter apoio parlamentar. Assume-se que essa necessidade, a busca pela maioria, colocaria o presidente nas mãos dos partidos encastelados no Congresso, porém seria diferente se o partido do governo controlasse a maioria das cadeiras legislativas? Em outros termos, o presidencialismo de coalizão leva a culpa e implica assim ao retorno da tese da irresponsabilidade do Legislativo e da falta de compromisso com princípios e programas que caracterizaria os políticos brasileiros.
“Mesmo no argumento alegada ou supostamente institucional, a corrupção e a crise que o país vem enfrentando pouco tem a ver com o desenho institucional. Reconhecer que instituições importam não é o mesmo que dizer que só instituições importam. Não há sistema político imune a crises. Não há sistema político que funcione sem que políticos façam escolhas, definam seus objetivos e estratégias para lidar com seus aliados e seus inimigos. E essas escolhas têm consequências, nem sempre as melhores ou aquelas com as quais concordemos. Em uma palavra, não há sistema que prescinda da política”. (LIMONGI e FIGUEIREDO, 2017, p. 96)

BIBLIOGRAFIA:

BERTHOLINI, Frederico e PEREIRA, Carlos. Pagando o preço de governar: custos da gerência de coalizão no Presidencialismo Brasileiro. RAP, v. 51, n. 4, 2017, p. 528-550

LIMONGI, Fernando e FIGUEIREDO, Argelina. A crise atual e o debate institucional. Novos Estudos CEBRAP, v. 36, n. 3, 2017, p. 79-97

RODRIGUES, Leôncio Martins Rodrigues. Partidos, Ideologia e composição social: Um estudo das bancadas partidárias na Câmara dos Deputados. São Paulo: Edusp, 2002 (cap. 1, p. 25-50)