Tive a satisfação de conduzir essa oficina com e para valorosas companheiras feministas esta semana. Minha experiência com o cyberativismo começou em 2006, na ocasião de minha militância na Rede de Juventude e Meio Ambiente - REJUMA. Participei de cursos e atividades que nos preparava e nos alertava sobre a importância de nossa atuação no campo virtual. Confesso que nesse tempo eu não considerava ser essencial o debate, diante do deficitário acesso a internet aqui no Norte do Brasil, porém me interessei em aprender e me envolver mesmo assim, pois formação e conhecimento a gente não pode dispensar. Hoje, com o aumento do acesso e principalmente com o resultado da última eleição presidencial, podemos ver o quanto é importante dominarmos estes instrumentos e que precisamos nos apropriar, produzir conteúdo, enfim.
Minha experiência atual é alimentando este blog e fazendo trabalho voluntário de social media da Vivência Percussiva, administrando seu canal no YouTube, contas no Google, Instagram e página no Facebook, que me possibilita aprofundar os aprendizados, pois é na prática que vamos aprendendo muito dessas ferramentas. Além disto, estou participando do curso de comunicação feminista, curso à distância organizado pela SOF - SempreViva Organização Feminista, exclusivo às militantes da Marcha Mundial das Mulheres - MMM.
Para esta oficina que conduzi, preparei um slide no PowerPoint e um texto para introduzir breve debate. Foi muito rico e interessante, pois acabamos debatendo sobre a importância das relações intergeracionais na militância feminista, em que uma geração precisa aprender com a outra, respeitar e beber da experiência das feministas que lutam há anos, assim como valorizar o conhecimento das mais jovens, principalmente neste campo da militância virtual. Segue o texto:
FEMINISMO NAS REDES SOCIAIS
O feminismo é um movimento filosófico, político e social que ganhou muita força nos últimos anos e a internet tem bastante influência nisso. Você sabia que estamos na quarta onda do movimento?
A primeira onda feminista estava concentrada principalmente nos Estados Unidos e Europa, no entanto no Brasil já haviam também mulheres se organizando com pautas como direito ao voto, vida pública e questionamentos sobre as imposições de tarefas domésticas. Tendo início no século XIX, a primeira onda feminista foi marcada pelo movimento de mulheres sufragistas, poucos sabem, mas nesse mesmo momento havia um grupo de mulheres negras abolicionistas, tendo destaque Sojourner Truth, que trouxe a discussão de raça para a as pautas feministas, fazendo a relação das duas opressões que as mulheres negras sofrem.
A segunda onda teve início na década de 1950 perdurando até nos anos 1990, e foi marcada pelo slogan “o pessoal é político” de Carol Hanisch, que enfatizava a necessidade de trazer a público as opressões que as mulheres sofriam em casa. Além dessa expressão, muitas outras pautas foram levantadas como: liberdade sexual, direitos reprodutivos e violência contra mulher. Simone de Beauvoir também foi um nome marcante para a segunda onda, um de seus livros chamado “O Segundo Sexo” de 1967 tinha como questionamento a diferenciação entre sexo e gênero. Nesse momento, as feministas da segunda onda buscavam também explicações sócio históricas sobre a condição das mulheres como subordinadas na sociedade, buscando respostas para questionamentos como: “por que as mulheres estão sempre atreladas a reprodução?”, o fato das mulheres estarem sempre no papel de oprimidas seria um motivo que levava a união universal de mulheres na busca pela mudança dessa condição imposta pela estrutura patriarcal. Assim, começou-se a ampliar as pautas do movimento feminista, unindo vários grupos de mulheres partindo do princípio que apesar das peculiaridades de cada grupo de mulheres ainda sim havia uma pauta principal em comum, a luta por igualdade entre homens e mulheres.
A terceira onda feminista com seu início nos anos 1990 teve como essência a ideia de que as mulheres são diversas, dessa forma as vertentes do feminismo foram mais evidenciadas, formando subgrupos, cada um com suas peculiaridades: Feminismo Negro, Feminismo Liberal, Feminismo Marxista, Feminismo Radical, Feminismo Intersecional, Transfeminismo, Lesbofeminismo e Feminismo Anarquista. Com as vertentes em destaque, a terceira onda traz outras pautas para o movimento feminista, além das questões de gênero traz questões como classe, raça, as diversidades de gênero, sexualidade, violência de gênero, inclusão das mulheres na política, entre outras. Dentro das pautas citadas acima, uma das mais discutidas é a desconstrução do binarismo de gênero (entender como gênero somente feminino e masculino), Beauvoir já havia começado a discussão sobre a construção e desconstrução do termo gênero na segunda onda e na terceira onda um outro nome foi destaque, Judith Butler, apontando que o discurso universal é excludente, excludente porque as opressões atingem as mulheres de modos diferentes, sendo necessário discutir gênero com recorte de classe e raça, levando em conta as especificidades das mulheres.
A partir dos anos 2000 o movimento feminista se distanciou das ruas, diferente das mulheres da primeira e segunda onda, uma vez que conquistas como voto, direito ao divórcio e a propriedade já haviam sido obtidas. Porém, com o advento das redes sociais e com o surgimento do Facebook em 2004, Twitter em 2006 e Instagram em 2010, algumas das redes sociais mais famosas da atualidade o movimento feminista passou a se organizar e expor suas pautas, usando essas mídias também como forma de mobilização.
Esse advento tornou o movimento feminista mais inclusivo, pois muitas mulheres aderiram as redes sociais para exporem suas inquietações em relação a sociedade patriarcal em que vivemos, sendo assim, ser “feminista” não requisitava participar de mobilizações ou de grupos de mulheres, ou mesmo participar de reuniões.
Desta forma, a quarta onda vem com o cyberativismo, que segundo Andreia Martins (2014) “consiste na utilização da internet por grupos politicamente motivados que buscam difundir informações e reivindicações sem qualquer elemento intermediário com o objetivo de buscar apoio, debater e trocar informação, organizar e mobilizar indivíduos para ações, dentro e fora da rede”.
Por meio do cyberativismo é possível que meninas e mulheres que desconhecem sobre os direitos da mulher possam conhecer, se aproximar e adquirir consciência sobre a importância do feminismo. Torna-se um instrumento que incentiva o pensamento crítico, promovendo posicionamentos que influenciam tanto a vida pessoal quanto em sociedade. Propiciou popularidade maior ao movimento feminista nos últimos quinze anos, e em especial, oportunizou maior visibilidade a grupos não hegemônicos como de militância ao feminismo negro e transfeminismo.
As redes sociais tem sido instrumento indispensável para propagação das manifestações feministas e através desse espaço virtual, os blogs feministas tem ganhado visibilidade nos últimos tempos, circulando diferentes pautas e ampliando o alcance das discussões, permitindo dessa forma que as mulheres possam ter maior contato com o feminismo. Abordando diferentes temáticas, tais como: manifestações contra todas as formas de violência, denúncia a sociedade patriarcal que vivemos e todas as formas de opressão e submissão, mulher e trabalho, abordagem relacionadas ao corpo e a sexualidade entre outros.
No Facebook, merece destaque o grupo fechado “Mulheres unidas contra Bolsonaro” criado em agosto de 2018 e que conta atualmente com mais de três milhões e setecentas mil mulheres. O grupo surgiu como forma de reivindicação contra o machismo, misoginia e todas as formas de preconceito. Partindo da premissa que o cenário atual brasileiro com a crescente onda do conservadorismo representa ameaças aos direitos conquistados através de luta e mobilização popular, visualizou-se a necessidade de reorganização e reafirmação enquanto sujeitos políticos e de direitos.
Youtubers feministas
Aqui abordaremos alguns nomes de mulheres que estão assumindo papeis de grande visibilidade na web a partir de canais e blogs. As mulheres protagonistas desse movimento, sejam elas emissoras das informações ou leitoras tem oportunidade de crescimento político e social, tendo a partir do contato com os discursos um meio educativo para evidenciar, problematizar, desconstruir e resistir as expressões do machismo, opressões cotidianas e tentativas de inferiorização por questões de gênero, pertença identitária, esteriótipos. Criado e atualizado por Julia Tolezano, JoutJout Prazer é o nome do canal com cerca de mais de 2.008.000 de inscritos no youtube e aborda discussões referentes a relacionamento abusivo e várias abordagens sobre acontecimentos cotidianos. Gabi Oliveira em seu canal Gabi das Pretas tem por volta de 351.635 inscritas que acompanham Gabi e suas discussões sobre empoderamento e autoestima da mulher negra, colorismo, cotas raciais, apropriação cultural entre outros. Maíra Medeiros comanda o canal Nunca te pedi nada, com cerca de 1.225.0862 inscritos e a ideia que deu inicio a esse projeto foi a de que certos assuntos não eram abordados e precisam ser. Suas discussões são voltadas para empoderamento feminino e aceitação.
O uso das hashtags
Em 2007 as hashtags começaram a ser divulgadas no Twitter. O intuito dessa ferramenta é agrupar posts sobre diferentes assuntos por tópicos, a partir de palavras chaves antecipadas pelo símbolo “#”, o chamado feminismo virtual. Tem-se como exemplo as mobilizações virtuais criadas por ativistas em 2015, que foram as hashtags feministas tais como #meuamigosecreto, #belarecatadaedolar. Afirma-se aqui, que os dados abaixo informados foram coletados a partir de uma breve pesquisa na rede social Instagram, e contabiliza a quantidade de postagem com as hashtags. As pesquisadoras usaram como critérios citar nessa pesquisa, as que obtiveram maior visibilidade:
• #primeiroassedio com cerca de 2.809 publicações no instagram que deu espaço para relatos sobre a infância e os assédios sofridos;
• #agoraéquesãoelas com mais de 5 mil posts, tendo intuito de reivindicar por visibilidade nos veículos de informação da internet para falar da luta feminista para ter voz em todos os espaços e contra a opressão masculina. (essa hashtag foi também, titulo de um álbum musical em 2016 para representar a nova geração do feminino no sertanejo);
• #meuamigosecreto com aproximadamente 8.933 posts, denuncia anonimamente as atitudes de pessoas do convívio social que tem posturas diferentes da imagem que “prega” para a sociedade;
• #mexeucomumamexeucomtodas com mais de 62 mil que teve inicio com a organização de atrizes e internautas no intuito de repudiar casos de assédio sexual após uma figurinista ter denunciado o assédio sofrido por um ator durante seu trabalho;
• e a mais recente e considerada como o maior movimento de mulheres no país, a hashtag #elenão que movimentou mais de 70 mil posts no intuito de repudiar um dos presidenciáveis nas eleições de 2018.
Essa nova característica da onda digital tem quebrado os estereótipos antes atribuídos ao movimento feminista, as mulheres intituladas feministas eram vistas como as que não se depilam e estão foram do padrão de feminilidade, quando na verdade o determinante para tal afirmação é a tentativa de controle social dos corpos femininos pelo capitalismo e pela cultura patriarcal.
Feminismo nas redes: a força está na colaboração!
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