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quarta-feira, 25 de julho de 2018

Dia da mulher negra latino-americana e caribenha

Escrevi este texto em 2016 com minha amiga preta de luta, irmã, camarada, Gabi Leão, postado originalmente no blog da MMM-PA:

A MULHER NEGRA É A MAIOR VÍTIMA DE VIOLÊNCIA NO BRASIL

Segundo dados do último mapa da violência, elaborado em 2015 pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, o homicídio de mulheres negras aumentou 54% em 10 anos, enquanto que o de brancas reduziu 10% no mesmo período, além de evidenciar que a mulher negra também é a maior vítima de estupro. Mas por que as negras são as maiores vítimas?

Assim como os demais países latino-americanos, o Brasil ainda sofre com o racismo estrutural e estruturante em nossa sociedade, fruto de uma cultura escravocrata e colonialista. A população negra não recebeu nenhum tipo de atenção ou política de integração com o fim da escravidão, sendo jogados à margem da sociedade. Para as mulheres negras a situação é pior, pois além de serem vítimas de racismo, sofrem com a violência sexista, sendo utilizadas como objeto sexual por séculos, formando uma cultura que se arrasta até os dias atuais. Em resumo, a camada social mais pobre e marginalizada é a que mais sofre com a violência.

Em face desta situação, uma forte articulação de mulheres nas áreas de comunicação, cultura, acadêmica e afins na América Latina e Caribe organizou o 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas em 1992 na República Dominicana, que resultou na criação de uma Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas e a celebração do dia 25 de Julho como Dia da Mulher Afro-latino-americana e Caribenha, internacionalizando assim o debate do feminismo negro, que surgiu a partir da década de 70, impondo a necessidade de interseccionalidade de gênero, raça, classe, etnia, orientação sexual e religiosidade, significando assim uma ruptura com um feminismo que não nos contempla, que historicamente foi hegemonizado por mulheres brancas e de classe alta.

Neste dia, pretendemos dar visibilidade à vulnerabilidade da mulher negra em nossa sociedade marcada pelo racismo patriarcal heteronormativo, que vitimiza de forma desproporcional a população de mulheres negras e pobres, além de lutar para o fomento de políticas que venham a atender esta camada e possamos diminuir os índices de violência apontados. As mulheres negras seguem em marcha neste dia pois precisamos dialogar sobre esta problemática.

O protagonismo das mulheres negras no movimento feminista é outro ponto que temos que dialogar. Cadê elas no movimento? E quando estão, quais os papeis delegados às companheiras das quebradas, das periferias, as nossas irmãs negras? Precisamos das vozes das negras, das suas pautas, que são violadas cotidianamente nesse sistema. Até quando, irmã branca, tu vais querer monopolizar a fala? Não é pra diluir o movimento, mas temos que ser diversas em nossas vozes, em nossas lutas, em nossos olhares. Todas são bem vindas pra chegar e construir o movimento feminista, precisamos muito unir forças, mas jamais monopolizar as pautas. Somos muitas e diversas! Não podemos esquecer que temos que passar o bastão do movimento para todas, e nesta luta seguiremos em marcha até que todas sejamos livres!

E vamos marchar hoje no Guamá. Participe:


  

terça-feira, 10 de julho de 2018

Medo

Do teu cheiro que sinto
Relembro do beijo
Me queima o desejo, não minto
De tê-los mais e mais

A doçura do olhar
Põe à face um menino
A inocência de belos sorrisos
Em homem se transforma
Na firmeza dos gestos
Me delicia ao me tocar

Doce perdição de caminhos
Êxtase comunhão de prazeres
Até a razão admite
A necessidade de transpor limites
E reinventar a felicidade

Tenho medo de gostar de certos sorrisos, destes assim que a alma se perde e desaparta da razão. Daqueles sorrisos que acompanham um olhar escancarado, que não consegue enganar, que revela toda a doçura e bons sentimentos que te querem.
Mas o medo não pode impedir almas livres, o medo aprisiona, sufoca, emperra. O medo é inimigo da liberdade, uma pena é a covardia do ser em não superar alguns, e beleza é estar disposta a ultrapassá-los. Que a liberdade domine!
Escritos de 2011.

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Resumo: Os intelectuais e a organização da cultura - Gramsci

Fiz este resumo em 2016 quando cursei a disciplina Sociologia I com a Profª Zuleide Pontes, sendo um resumo pessoal auxiliar aos meus estudos, sem alto rigor das normas da ABNT. Foi passado somente a primeira parte do livro "Os intelectuais e a organização da cultura", de Antônio Gramsci, seção intitulada "A formação dos intelectuais". Como o resumo abaixo é somente um aperitivo às ideias do filósofo italiano, disponibilizo também link da obra completa na figura:


A formação dos intelectuais
A obra se inicia definindo quem são os intelectuais, de onde são e como se formam, problematizando através do questionamento se constituem um grupo social autônomo e independente ou se possuem sua própria categoria especializada. Conclui dizendo ser complexo o problema devido as várias formas que assumiu o processo histórico real de formação das diversas categorias intelectuais.
      Desta forma, destaca duas importantes formas: 1) Cada grupo social, nascendo no mundo originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, de modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no político. O empresário capitalista cria consigo o técnico da indústria, o cientista da economia política, o organizador de uma nova cultura, ele deve possuir certa capacidade técnica e de organizar a sociedade em geral, em todo seu complexo organismo de serviços, inclusive no estatal, em vista da necessidade de criar as condições mais favoráveis à expansão da própria classe. Os senhores feudais também eram detentores de uma capacidade técnica particular, a militar, que precisa ser analisada a parte, porém cabe observar que a massa de camponeses não elabora seus próprios intelectuais “orgânicos” embora outros grupos sociais extraiam dessa massa seus intelectuais.

  2) Cada grupo social “essencial” encontrou categorias intelectuais preexistentes, as quais apareciam como representantes de uma continuidade histórica que não fora interrompida nem mesmo pelas mais complicadas e radicais modificações das formas sociais e políticas. A mais típica destas é a dos eclesiásticos, que monopolizaram durante muito tempo alguns serviços importantes: a ideologia religiosa, isto é, a filosofia e a ciência da época, através da escola, da instrução, da moral, da justiça, da beneficência.
      A categoria dos eclesiásticos é a categoria intelectual organicamente ligada à aristocracia fundiária, que era juridicamente equiparada à aristocracia e com a qual dividia o exercício da propriedade feudal da terra e o uso dos privilégios estatais ligados à propriedade. Porém o monopólio das superestruturas pelos eclesiásticos não foi exercido sem luta e sem limitações, e foi-se formando a aristocracia togada.
    Outro questionamento está no campo dos limites “máximos” da acepção de “intelectual”. Se é possível criar um critério unitário para caracterizar igualmente todas as diversas e variadas atividades intelectuais, além de distingui-las ao mesmo tempo e de modo essencial dos outros agrupamentos sociais. Este responde dizendo que o erro metodológico mais difundido consiste em ter buscado este critério de distinção que é intrínseco às atividades intelectuais, ao invés de busca-lo no conjunto de sistema de relações no qual estas atividades se encontram, no conjunto geral das relações sociais.
  Em suma, todos os homens são intelectuais, mas nem todos os homens desempenham na sociedade a função de intelectuais. Enfatiza-se a distinção entre intelectuais e não intelectuais, que na realidade faz-se referência tão somente à imediata função social da categoria profissional dos intelectuais. Todo homem fora de sua profissão desenvolve uma atividade intelectual qualquer e portanto não se pode separar o homo faber do homo sapiens, é impossível falar de não-intelectuais porque estes não existem.
    O problema da criação de uma nova camada intelectual consiste em elaborar criticamente a atividade intelectual que existe em cada um em determinado grau de desenvolvimento, modificando sua relação com o esforço muscular-nervoso no sentido de um novo equilíbrio e conseguindo-se que o próprio esforço muscular-nervoso, enquanto elemento de uma atividade prática geral, que inova continuamente o mundo físico e social, torne-se o fundamento de uma nova e integral concepção de mundo. 
  Historicamente formam-se categorias especializadas para o exercício da função intelectual, formam-se em conexão com todos os grupos sociais, mas especialmente em conexão com os grupos sociais mais importantes, e sofrem elaborações mais amplas e complexas em ligação com o grupo social dominante. A escola é o instrumento para elaborar os intelectuais de diversos níveis, quanto mais extensa for a “área” escolar e quanto mais numerosos forem os “graus” “verticais” da escola, tão mais complexo será o mundo cultural, a civilização, de um determinado Estado.
  A relação entre os intelectuais e o mundo da produção não é imediata, como é o caso nos grupos fundamentais, mas é “mediatizada”, em diversos graus, por todo o contexto social, pelo conjunto das superestruturas, do qual os intelectuais são precisamente os “funcionários”. Por enquanto, pode-se fixar dois grandes “planos” superestruturais: o que pode ser chamado de “sociedade civil”, isto é, o conjunto de organismos chamados comumente de “privados” e o da “sociedade política ou Estado”, que correspondem à função de “hegemonia” que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e àquela de “domínio direto” ou de comando, que se expressa no Estado e no governo “jurídico”. Estas funções são precisamente organizativas e conectivas, os intelectuais são os “comissários” do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político. Esta colocação do problema traz, como resultado, uma ampliação muito grande do conceito de intelectual, mas somente assim torna-se possível alcançar uma aproximação concreta à realidade.
     No mundo moderno, a categoria dos intelectuais ampliou-se de modo inaudito, a formação em massa estandartizou os indivíduos, na qualificação intelectual e na psicologia, determinando os mesmos fenômenos que ocorrem em todas as outras massas estandartizadas: concorrência, desemprego, superprodução escolar, emigração, etc.
       O texto segue fazendo diferenciação entre os intelectuais de tipo urbano e de tipo rural. No primeiro cresceram juntamente com a indústria e são ligados às suas vicissitudes, não possuem nenhuma iniciativa autônoma na elaboração dos planos de construção, colocam em relação, articulando-a, a massa instrumental com o empresário, elaboram a execução imediata do plano de produção estabelecido pelo estado maior da indústria, controlando suas fases executivas elementares. Os de tipo rural são em sua maior parte “tradicionais”, ligados à massa social camponesa e pequeno-burguesa das cidades, ainda não elaborada e movimentada pelo sistema capitalista: este tipo de intelectual põe em contato a massa camponesa com a administração estatal ou local e por isso possui uma grande função político-social, já que a mediação profissional dificilmente se separa da mediação política. Este aspecto é diverso no que diz respeito aos intelectuais urbanos, os técnicos de fábrica não exercem nenhuma função política sobre as massas instrumentais, por vezes ocorre o contrário, as massas instrumentais exercem influência política sobre os técnicos.
      O ponto central da questão continua a ser a distinção entre intelectuais como categoria orgânica de cada grupo social fundamental e intelectuais como categoria tradicional. Daí o autor problematiza através da influência do partido político, o que ele se torna em relação ao problema dos intelectuais? Para isto, distingue que para alguns grupos sociais o partido político é o modo próprio de elaborar sua categoria de intelectuais orgânicos diretamente no campo político e filosófico, e já não mais no campo da técnica produtiva. E para todos os grupos o partido político é precisamente o mecanismo que representa na sociedade civil a mesma função desempenhada pelo Estado, de um modo mais vasto e mais sintético, na sociedade política, ou seja, proporciona a fusão entre os intelectuais orgânicos de cada grupo – o grupo dominante – e os intelectuais tradicionais.
    Pode-se dizer que no seu âmbito o partido político desempenha sua função muito mais completa e organicamente do que, num âmbito mais vasto, o Estado desempenha a sua: um intelectual que passa a fazer parte do partido político de um determinado grupo social confunde-se com os intelectuais orgânicos do próprio grupo, liga-se estreitamente ao grupo, o que não ocorre através de participação na vida estatal senão mediocremente ou mesmo nunca. Aliás, ocorre que muitos pensem ser o Estado: crença esta que, dado o imenso número de componentes da categoria, tem por vezes notáveis consequências e leva a desagradáveis complicações para o grupo fundamental econômico que é realmente o Estado.
   A formação dos intelectuais tradicionais é o problema histórico mais interessante. Ele se liga certamente à escravidão do mundo clássico e à posição dos libertos de origem grega e oriental na organização social do Império Romano. Na Itália, o fato central é precisamente a função internacional ou cosmopolita de seus intelectuais, que é causa e efeito do estado de desagregação em que permanece a península, desde a queda do Império Romano até 1870. Na França as primeiras células intelectuais do novo tipo nascem com as primeiras células econômicas, a própria organização eclesiástica sofre sua influência, essa maciça construção intelectual explica a função da cultura francesa nos séculos XVIII e XIX. Na Inglaterra o desenvolvimento é muito diferente, o novo agrupamento social nascido sobre a base do industrialismo moderno tem um surpreendente desenvolvimento econômico-corporativo, mas engatinha no campo intelectual-político, é muito ampla a categoria dos intelectuais orgânicos, isto é, dos intelectuais nascidos no mesmo terreno industrial do grupo econômico. A velha aristocracia fundiária se une aos industriais através de um tipo de junção que, em outros países, é precisamente aquele que une os intelectuais tradicionais às novas classes dominantes.
   O fenômeno inglês manifestou-se também na Alemanha, complicado por outros elementos históricos e tradicionais. O desenvolvimento industrial ocorreu sob um invólucro semifeudal e os Junkers foram os intelectuais tradicionais dos industriais alemães que mantiveram uma supremacia político-intelectual bem maior do que a mantida pelo mesmo grupo inglês. Na Rússia, diversas tendências, a organização política e econômico-comercial foi criada pelos normandos, a religiosa pelos gregos bizantinos. Num segundo momento, alemães e franceses levam a experiência europeia à Russia e emprestam um primeiro esqueleto consistente à gelatina histórica russa.
     Num outro terreno e em condições bem diversas de tempo e lugar vem o nascimento da nação americana (Estados Unidos): os emigrantes anglo-saxões são também uma elite intelectual, mas particularmente moral. O autor refere-se aos primeiros emigrantes, aos pioneiros, protagonistas das lutas religiosas e políticas inglesas, derrotados, mas nem humilhados nem rebaixados em sua pátria de origem. Eles trazem para a América além da energia moral e volitiva, um certo grau de civilização, uma certa fase de evolução histórica europeia que continua a desenvolver com um ritmo mais rápido que na velha Europa, onde existe toda uma série de freios morais, intelectuais, políticos, econômicos, incorporados em determinados grupos da população, relíquias dos regimes passados que não querem desaparecer). Deve-se notar então nos Estados Unidos em certa medida a ausência dos intelectuais tradicionais e portanto, o diverso equilíbrio dos intelectuais em geral. Esta ausência explica parcialmente tanto a existência de somente dois grandes partidos políticos, quanto, ao inverso, a multiplicação ilimitada de seitas religiosas.
  A formação de um número surpreendente de intelectuais negros, que absorvem a cultura e a técnica americanas é uma manifestação que deve ser estudada, a pensar na influência indireta destes sobre as massas atrasadas da África e na influência direta que se verificaria se o expansionismo americano se servisse dos negros nacionais como seus agentes na conquista dos mercados africanos e se as lutas pela unificação do povo americano se agudizassem a tal ponto que determinasse o êxodo dos negros com retorno à África dos elementos intelectuais mais independentes e enérgicos.
      Na América do Sul e na América central inexiste uma ampla categoria de intelectuais tradicionais, mas o problema não se apresenta nos mesmos termos que nos Estados Unidos. Na base de desenvolvimento desses países estão os quadros da civilização espanhola e portuguesa dos séculos XVI e XVII, caracterizada pela contra-reforma e pelo militarismo parasitário. A base industrial é muito restrita e a maior parte dos intelectuais é de tipo rural, com extensas propriedades eclesiásticas, tais intelectuais são ligados ao clero e aos grandes proprietários. A composição nacional é muito desequilibrada mesmo entre os brancos e complica-se pela imensa quantidade de índios, além da situação no qual o elemento laico e burguês não alcançou o estágio da subordinação, à politica laica do Estado moderno, dos interesses e da influência clerical e militarista, e em oposição ao jesuitismo possui ainda grande influência a Maçonaria e a Igreja positivista.
         Outros tipos de formação da categoria dos intelectuais pode ser encontradas na Índia, na China e no Japão. No último, formação do tipo inglês e alemão, na China existe o fenômeno da escritura, expressão da completa separação entre os intelectuais e o povo, assim como na Índia onde essa enorme distância manifesta-se no campo religioso. E pela religião Gramsci encerra observando a diferenciação no mundo todo na questão formativa dos intelectuais.

domingo, 1 de julho de 2018

Resumo: A escola como espaço sócio-cultural - Dayrell

Este texto é de autoria de Juarez Dayrell, professor da Faculdade de Educação da UFMG, escrito em 1996, sobre a pesquisa que o mesmo fez em escolas públicas de funcionamento noturno na periferia da região metropolitana de Belo Horizonte. Vem tratar da escola como espaço sócio-cultural e suas potencialidades educativas no que cerne a observação da interação das relações sociais existentes dentro e fora da escola, dando ênfase à diversidade dos alunos e desta forma a variação cultural e as experiências diferenciadas que carregam consigo, além de fazer críticas à estrutura física e mal aproveitamento das potencialidades educacionais. Segue abaixo o resumo deste texto a ser apresentado na 2ª avaliação da disciplina Antropologia da Educação, ministrada pelo Prof. Leandro Klineyder, na Faculdade de Ciências Sociais da UFPA.

A ESCOLA COMO ESPAÇO SÓCIO-CULTURAL

INTRODUÇÃO
            O presente texto lança análises e considerações sobre a escola como espaço sócio-cultural. Para isto procura entender o que é a escola pela ótica institucional, da cultura, do espaço físico, e o conjunto das relações sociais que se estabelecem no interior e no exterior da escola e como estas são determinantes para o processo educativo. Analisa o espaço físico, arquitetura e suas influências nas interações dessas relações, o papel do professor e do aluno, o método educativo que não contribui para o saber questionador, mostrando-se linear e materializado em conteúdos de programas e livros escolares. Trata do potencial que a escola possui em ampliar a transmissão de saberes através das relações e suas trocas de experiências.

1-  PRIMEIROS OLHARES SOBRE A ESCOLA
            O significado de entender a escola como espaço sócio-cultural repousa no sentido de compreendê-la pela ótica da cultura, com olhar mais denso que leva em conta a dimensão do dinamismo do cotidiano, em todos os espaços, pessoas de todas as partes, idades, implicando assim em resgatar o papel dos sujeitos na trama social que a constitui enquanto instituição. Isto expressa um eixo de análise surgida a partir da década de 80 que tentava superar as análises mais deterministas, desenvolvendo uma análise em que se privilegia a ação dos sujeitos na relação com as estruturas sociais.
            Neste sentido, a escola como espaço sócio-cultural é entendida como espaço social próprio, ordenado em dupla dimensão, resultando de um conflito de interesses em que de um lado está a escola como instituição, organização oficial escolar com suas regras e normas, e de outro as tramas de relações sociais que os sujeitos participantes da escola carregam, incluindo alianças e conflitos, imposições de estratégias individuais ou coletivas, transgressão ou acordos, sendo assim, um processo heterogêneo fruto da ação recíproca entre o sujeito e a instituição.
            A cada instante é recolocado a reprodução do velho e a possibilidade de construção do novo no processo educativo escolar, assim o texto segue no sentido de expressar esse olhar do cotidiano, reflete angústias e questões de professores de escolas noturnas da rede pública de ensino na periferia da região metropolitana de Belo Horizonte-MG em 1994.

2-  OS ALUNOS CHEGAM À ESCOLA
            O texto faz a descrição de um dia normal de aula no contexto externo, em que as pessoas vão chegando, conversando, formando grupos, conversas, paqueras, os sons, o comércio em volta, uma escola grande com muros altos, sendo um espaço claramente delimitado, como se passasse para o novo cenário onde serão desempenhados papéis específicos, próprios do “mundo da escola”, bem diferentes dos desempenhados no “mundo da rua”.

2.1 – A DIVERSIDADE CULTURAL
            Para grande parte dos professores, não são levados em conta aspectos pessoais dos alunos, pois estes são vistos como uma massa homogênea, alunos, independente de cor, sexo, idade, origem social, pois entendem que a instituição escolar deveria atender todos da mesma forma, sendo assim essa homogeneização correspondente à homogeneização da instituição escolar, compreendida como universal.
            Neste sentido, existe uma desarticulação entre o conhecimento escolar e a vida dos alunos, haja vista que o próprio sistema de funcionamento da escola propicia isto. O conhecimento escolar se torna “objeto” ao ser materializado nos programas e livros didáticos, sendo valorizadas as provas e notas devido à ênfase ser centrada nos resultados da aprendizagem e não no processo, tornando assim a visão de conhecimento como um produto. Expressa assim uma lógica instrumental que reduz a compreensão de educação e seus processos em transmissão de informações. O mesmo método é aplicado em diferentes públicos, em diversos lugares, e este tratamento uniforme só vem consagrar a desigualdade e as injustiças das origens sociais do aluno.
          Para superar essa visão homogeneizante e estereotipada da noção de aluno implica-se outra forma de compreender esses jovens, apreende-los como sujeitos sócio-culturais, para compreendê-los na sua diferença enquanto indivíduo que carrega sua história e tem suas particularidades, levando em conta a dimensão da “experiência vivida” que é matéria prima a partir da qual os jovens articulam sua própria cultura, aqui entendida enquanto conjunto de crenças, valores, visão de mundo, rede de significados.
         Tomando por base que nenhum indivíduo nasce homem, mas constitui-se e se produz como tal, num processo contínuo de passagem da natureza para cultura, sendo construído e se construindo enquanto ser humano, como se dá essa produção na sociedade concreta?
       Já existia uma sociedade quando qualquer um desses jovens nasceu e foi inserido, cuja estrutura não dependeu dele e nem por ele foi produzida. A princípio são as macroestruturas que vão apontar um leque mais ou menos definido de opções em relação a um destino social. Mas também existe a outro nível a interação na vida social cotidiana com suas próprias estruturas, com suas características próprias, sendo o nível do grupo social que produz uma cultura própria. Isto se reflete nas novas experiências de relações familiares diferentes, morar em outro bairro, estudar em outra escola, num constante reiniciar das relações, configurando um processo educativo amplo que ocorre no cotidiano das relações sociais, e os jovens alunos são resultado disso. Apesar da aparência de homogeneidade, expressam a diversidade cultural: uma mesma linguagem pode expressar múltiplas falas.
            Desta forma, afirma-se que “são as relações sociais que verdadeiramente educam, isto é, formam, produzem os indivíduos em suas realidades singulares e mais profundas. Nenhum indivíduo nasce homem. Portanto, a educação tem um sentido mais amplo, é o processo de produção de homens num determinado momento histórico...” (Daryrell, 1992, p.2). Diante desta ampla diversidade de experiências, marcadas pela própria divisão social do trabalho e das riquezas que vai delinear as classes sociais, constitui-se dois conjuntos culturais básicos: a oposição cultura erudita x cultura popular.
            Vale ressaltar que a diversidade cultural nem sempre pode ser explicada apenas pela dimensão das classes sociais, levando-se em conta uma leitura mais ampla sobre as tradições e valores. Na sociedade brasileira a diversidade cultural também é fruto do acesso diferenciado às informações e às instituições que asseguram a distribuição dos recursos materiais, tendo assim também uma conotação político-ideológica.
            Por fim, essas considerações sobre a diversidade cultural dos alunos implicam constatar num primeiro aspecto que a escola é polissêmica, tem uma multiplicidade de sentidos, e o segundo aspecto reside na articulação entre a experiência que a escola oferece na forma como estrutura o seu projeto político pedagógico e os projetos dos alunos. Neste sentido, a escola não poderia ser um espaço de ampliação de experiências? Além dessa questão, quais seriam os espaços e momentos que poderiam contribuir para que o aluno se situe em relação ao mundo que vive? Resgatando assim a função social da escola e seu processo de formação de cidadãos. Surge o desafio sob esta ótica de deslocar o eixo central da escola para o aluno como adolescentes e adultos reais.

3 – AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES EDUCATIVAS DO ESPAÇO ESCOLAR
            É feita a descrição da escola no iniciar do turno, no sentido das interações sociais, sozinhos ou em grupos, com a movimentação dos alunos pela escola. Descreve também a estrutura física da escola, que se julga no seu conjunto um espaço físico rígido, retangular, frio, pouco estimulante, com paredes lisas, sem nenhum apelo.
                                  
4.1 – A ARQUITETURA DA ESCOLA
            O espaço arquitetônico da escola expressa uma determinada concepção educativa, pois a arquitetura escolar interfere na forma da circulação das pessoas, na definição de funções para cada local. Em seguida, analisa alguns aspectos como o seu isolamento do exterior, demarcando duas realidades: o mundo da rua e o mundo da escola. Os corredores são pensados para uma locomoção rápida, contribuindo para a disciplinação, bibliotecas em espaços reduzidos. E nesta realidade os alunos passam a ocupar esses espaços e interagir com os mesmos no sentido de dar novos usos, recriando sentidos e suas próprias formas de sociabilidade.
            Desta forma, a geografia escolar para os alunos, e com isso a própria escola, têm um sentido próprio, que pode não coincidir com o dos professores. Importante que também os professores resignificam esses espaços. Vale ressaltar que por mais que se resignifique, existe um limite que muitas vezes restringe a dimensão educativa da escola, por isso se faz importante uma discussão sobre a dimensão arquitetônica em um projeto de escola, estando atento a como os sujeitos ocupam os espaços.

4.2 – A DIMENSÃO DO ENCONTRO
            O que até então foi descrito revela que a escola é essencialmente um espaço coletivo, de relações grupais. Essas relações variam dependendo do momento em que ocorrem, seja fora ou dentro da escola, por exemplo, há um clima diferente entre o encontro do início das aulas e da hora da saída. A sala de aula é um local de encontro, mas com características diferentes, onde passam a se definir por território, formando subgrupos chamados “panelinhas” e estes permanecem por pelo menos um ano.
            Desta forma, pode-se dizer que “a escola se constitui de um conjunto de tempos e espaços ritualizados. Em cada situação, há uma dimensão simbólica, que se expressa nos gestos e posturas acompanhados de sentimentos. Cada um dos seus rituais possui uma dimensão pedagógica, na maioria das vezes implícita, independente da intencionalidade ou dos objetivos explícitos da escola.” (Daryrell, 1996)
      Também trata dos rituais, como a semana de provas e os ligados à datas comemorativas, que são momentos que exigem maior dedicação dos professores e envolvimento dos alunos. A semana do estudante, dia dos professores, das mães servem para fortalecer emocionalmente alunos e professores, e a semana da pátria vem como forma de injetar uma renovação do compromisso com as motivações e valores dominantes.
            Conclui que a escola se torna um espaço de encontro entre iguais, possibilitando a convivência com a diferença, e olhá-la pelo prisma do cotidiano permite vislumbrar a dimensão educativa presente no conjunto das relações sociais que ocorrem no seu interior.

4 – A DIMENSÃO DO CONHECIMENTO DA ESCOLA
            É feita uma descrição da sala de aula no âmbito de seu funcionamento ao iniciar o primeiro turno de aula. Esta aula servirá de base para as considerações seguintes: em primeiro momento a constatação da rotina asfixiante e a chatice que são obvias. Coloca que a sala de aula é um conjunto de alunos, uns mais interessados, outros nem pouco interessados, em constante bagunça, e os professores uns mais envolvidos que outros, mais criativos ou tediosos.
 Chama atenção para os papeis de aluno e de professor, que esses papeis não são dados, mas sim construídos, onde a sala de aula é o espaço privilegiado. São assim construídas imagens e estereótipos dos alunos, influenciados por suas posturas e discursos, interferindo na produção de “tipos” de alunos e da própria turma. Nessa criação de papeis e imagens é que geralmente se expressam com mais clareza os preconceitos e racismos existentes nas relações e mesmo as questões sexuais, com ênfase no homossexualidade e na prostituição.
Outro eixo importante de análise se refere ao cotidiano das aulas e a relação com o conhecimento. A sala se resume a uma relação simples e linear para a boa parte dos professores com seus alunos, por serem vistos de forma homogênea como já abordado. O professor não percebe a dimensão do conjunto das relações  que se estabelecem ali na sala, percebendo-os somente enquanto seres de cognição e de forma equivocada, por sua maior ou menor disciplina, maior ou menor capacidade de aprender conteúdos.
Desta forma, os professores presos a esta forma de lidar com os conteúdos, deixam de contribuir no processo de formação mais amplo, como interlocutores desses alunos diante de suas crises cotidianas e suas perplexidades. Além da postura pedagógica, ressalta também a qualidade dos conhecimentos e conteúdos ministrados na escola, pois o que se observa que é oferecido ao aluno trata-se de uma versão empobrecida, diluída e degradada do conhecimento.
Os estudantes tendem a criar um próprio mundo dependendo da relação do professor com a turma, e os professores não conseguem disciplinar minimamente os alunos como na atenção, concentração. Junto a essa dimensão, outro elemento fundamental são as atividades extra-classe, nelas o prazer e o lúdico são permitidos, quando fica mais explicita a noção de uns e outros a respeito da escola, como exemplo danças em grupos, que geram mais envolvimento. Chama a atenção a escola não aproveitar desses momentos para ampliar seu trabalho educativo, relacionando com o cotidiano da sala de aula. O último aspecto se debruça na estrutura da escola, a forma como se organiza, os tempos e espaços como se dividem, pouco leva em conta a realidade e anseio dos alunos, a escola parece se organizar para si mesma.
           
 CONSIDERAÇÕES FINAIS
                Foi analisado ao longo do texto um determinado olhar sobre a instituição escolar, apreendida enquanto espaço sócio-cultural, definindo a escola como uma instituição dinâmica, polissêmica, fruto de um processo de construção social. Concluindo que os atores vivenciam o espaço escolar como uma unidade sócio-cultural complexa, cuja dimensão educativa se dá nas experiências humanas ali existentes. Acreditamos que a escola pode e deve ser um espaço de formação ampla do aluno, que aprofunde seu processo de humanização, tornando-se necessária ampliação e aprofundamento das análises nesse sentido, contribuindo para a problematização de sua função social.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
DAYRELL, Juarez. A escola como espaço sócio-cutural. In: _____. (Org.). Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Minas Gerais: UFMG, 1996.