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quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Plena

Paz na solitude
Escapar da escravidão
De achar que a completude
Só existe com outro ser
O tempo e sua virtude
A nos amadurecer
Hoje penso como pude
A vida toda entristecer
Por aguardar aceitação
E regras estabelecer

Peguei a visão
É tudo imposto
Agora posso sentir o gosto
De calma no coração
Com afetos suaves, sinceros
De amores tão belos
Que não precisam de ilusão
Nem rompantes severos

Paixões não nego, vou bebê-las
Mas sem expectativas
Somente a delícia
De poder vivê-las
Com a segurança que delas
Não quero mais depender
Aprendendo a viver
Sabendo que só em mim
Habita meu maior prazer

sábado, 15 de agosto de 2020

Suspeita

Nessa vida
Gente preta
É suspeita
Segue em frente
Via estreita
Faz pelo certo
Se respeita
Não importa
É suspeita
Sabe da dor
Quem peita
Paga o preço
Não se deita
Minha suspeita
Na verdade
É a certeza
Que incomodo
Ao expor incoerências
De quem sempre esteve longe
De se sentir
Sob suspeita
Mas vou incomodar
Aceita!
Meu crime
Ser rebelde e preta
As críticas vou ponderar
Das negras
Que sabem como eu
Da treta
Que é enfrentar a vida
Sentindo-se sempre
Suspeita

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Mais tesão

Mas que doce lembrança
Desses beijos que bebi
Dos seios tão desejados
Não só por mim
Alegra meus pensamentos
Nesses dias me excita
Dá saudade
E vontade
De querer muito mais
Possuir o que jamais é dominado
Isso precisa ser domado
Pra que seja feliz o ser amado
Desejo deve ser respeitado

Amo ser livre
Ser minha
E ao mesmo tempo de todos
E todas
Todas as formas de prazer
Eu quero poder viver
Esse gosto gostoso na boca
Vou guardar
Pra quando oportuno lembrar
Que sempre pode haver mais tesão
Que a vida pode te dar.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Preciso vencer


Eu preciso vencer
Tudo que me põe pra baixo
Preciso vencer
Aqui, sozinha, sem colo
Preciso vencer
O colo não chegará
Preciso vencer
A vontade de desistir, de sumir
E nada fazer
Preciso vencer
Deixar de me humilhar
Com migalhas me conformar
Preciso vencer
Essa carência como explicar?
Preciso vencer
Ser mãe, trabalhar, estudar
Preciso vencer
Militar no isolamento, não parar
Preciso vencer
A quarentena que não acaba
Preciso vencer
Os hormônios que meu corpo não cala
Preciso vencer
O racismo que todo dia escancara
Preciso vencer
O machismo tempo todo na minha cara
Preciso vencer
A autoestima sempre atacada
Preciso vencer
O medo de ser violentada
Preciso vencer
Dar fim em ciclo que não se acaba
Preciso vencer
Escrevo minha dor pra vencer
Tudo que não cabe em mim
E aqui não pode mais ficar
Cada negação, cada humilhação, cada ingratidão
Preciso vencer
Com minhas lágrimas a esconder
Pois mora aqui uma tempestade
Que na escrita quer acalmar
E mesmo exausta, para e pensa:
Eu só preciso vencer
Já chega de perder
Tem que jogar pra ganhar
Não pode mais se boicotar
A vida é disputa, não se pode negar
Então só repito mais uma vez:
Eu preciso vencer!
E preciso viver!

segunda-feira, 22 de junho de 2020

Quando a gente não tem nada, o que era pouco te faz falta!

Essa é uma sensação muito ruim, sentir falta de algo que tu sabias que não era suficiente, que não te deixava tranquila, satisfeita, sempre um incômodo ou mais te rondando o peito, tirando a tua paz, mas mesmo assim, faz falta. Era a única coisa que tu tinhas, então vai fazer falta.

Ruim também é se contentar com pouco, até que chega um ponto que enche a paciência e se ousa optar pelo nada. É muito difícil optar pelo nada. Pra ficar bem bonito e positivo eu até poderia dizer: “Nada não! Vou ficar com a melhor companhia, eu mesma!” Ah, amada, mas não é bem assim que funciona. Sou humana, uma raça de seres sociais, eu sinto falta de afeto, de carinho, de atenção, de dialogar, de beijos, de sexo bom, um bom colinho... É muito duro aceitar que teu destino é ficar sem nada disso por sabe-se lá quanto tempo! Até os hormônios vão te cobrar!

É nesta lógica de pensar que mora a armadilha, nos vemos tentadas a não parar ou acabar voltando a comer as migalhas que recebia, afinal, seria melhor que passar fome. Porém precisamos arrumar forças pra lutar contra isso e resistir, buscar energia não sei de onde, eu sei que nós mulheres conseguimos encontrar, nem que seja buscando auxílio, mas encontra, o importante é encontrar forças pra vencer esse ciclo por nós mesmas, sem usar ou demandar uma outra pessoa, a não ser que seja um/a terapeuta pago/a pra isso.

A fase recente da decisão de romper com relações de “migalhas” é a mais desafiadora e delicada. Eu não sei se é muito absurdo eu fazer essa comparação, mas é como se fosse com as adicções, vícios. Parar de fumar, por exemplo, os primeiros dias são os mais terríveis, teu corpo pedindo nicotina, eita que até lembrei da Marrom cantando “meu vício é você, meu cigarro é você” hehe! De fato, não é absurda a comparação. 

Esses dias são determinantes pra seguir livre mais adiante, e com o passar do tempo os benefícios começam a aparecer e tu te sentes mais decidida a não voltar mais. Isso quando tu realmente entendes que, por mais que o desejo ainda permaneça, os benefícios que estás alcançando compensam, pois te fazem bem, te livra dos males que tinha. Importante saber que vai doer um tempo, respeitar e viver essa dor também é necessário, a gente chora, sofre, ouve as playlists mais absurdas, enfim, mas tem que superar! E pra ir superando, mais uma vez trago a cartada do amor próprio, recompor a dignidade e trabalhar esse autoamor, não tem outro caminho, minha gente! Fora que já tô cansada de servir, quero é ser bem servida de volta!

Sejamos fortes! Nos apoiemos! Somos foda e não merecemos migalhas! Ninguém merece! É procurar entender o que se quer pra ir em busca do que é melhor pra si. Desapegar e se permitir a mudar a história da tua vida, sem se culpar pela demora ou pela falta de força, cada ser é único e tem o seu tempo, nem ficar remoendo culpa pelos erros cometidos, é identificar, tirar lições, tomar o impulso de retomar as rédeas de si e ter paciência, pois vai ter tropeço sem dúvida, mas com coragem a gente vence!

domingo, 21 de junho de 2020

Ninguém se apaixona por "puta"

Ontem tava tomando uma cerveja na casa da minha amiga e vizinha Vivian, nos acompanhamos nessa quarentena. E dentre diversos assuntos e divagações, amigas sempre desabafam sobre a vida amorosa. A nossa é de muitos lamentos, como de muitas mulheres, mas sempre aquela vontade guardada de se apaixonar. É tão bom se apaixonar, né? Ganhar bom dia, boa tarde, boa noite, muitos carinhos, "como tu estás?", "eu vi isso e lembrei de ti!", "meu amor, estou com saudades, quero te ver!" Enfim, de ganhar esses mimos e sentir o gosto de uma paixão correspondida, porque se apaixonar a gente insiste sempre, mas se é correspondida é outra história.

Daí Vivian dizia que não adianta também a gente dizer que não vai se apaixonar porque isso é um engano, é algo involuntário, acontece. De fato, é algo que não temos domínio, não se manda no coração. Mas acordei agora bem filosofando, lembrando dessa parte da conversa, e penso que ninguém se apaixona por "puta", e assim sinto que somos, "putas". Só quem se apaixonou por puta foi o Richard Gere pela Júlia Roberts em “Uma linda mulher”, mas é um filme conto de fadas, né? Mesmo assim, o filme guarda uma pequena dose de realidade: a paixão é involuntária, o homem pode se apaixonar pela puta sim, mas ela vai ter que deixar de ser puta e se tornar posse dele.

Ah, Carla, mas não é isso que vocês querem? Uma paixão correspondida? Um amor pra chamar de “seu”? Qual é o problema então? O problema está no ser "puta" pra gente. No caso do filme é uma profissional do sexo que vai interromper sua profissão para casar e quem sabe arrumar outra profissão, ou não, pois o cara do filme é milionário, ela nem vai precisar, vai acabar virando uma puta exclusiva sabe-se lá por quanto tempo, nos contos de fadas dura para sempre. Mas aqui falamos de vida real. Não somos profissionais do sexo, vale ressaltar, e reconheço que as opressões e riscos que essas profissionais sofrem são bem diferentes do que sofremos por sermos mulheres de sexualidade livre. Minha intenção aqui não é ocupar um lugar de fala que não é meu, só justifico que acabo por me inserir na seara das “putas” porque é assim que nos enxergam e nos apontam, mulher livre é "puta" e não serve pra se apaixonar e ter “compromisso”. Eu que sou não monogâmica então, viro praticamente um E.T! Ou o que acabo sendo na prática, uma boa amiga pra conversar e pra transar.

Nessa minha lida de pesquisadora de humanas, penso na origem das coisas, vamos então à etimologia da palavra puta. Tem um apanhado bem legal nesse link do site Esquerda Diário, e venho destacar: No primeiro dicionário monolíngue do castelhano, datado de 1611, da Real Academia Española, puta é: “a rameira ou mulher ruim. Quase pobre, que sempre está quente e cheirando mal”. Deste ponto, o texto, com base nos argumentos de Silvia Federici, na obra "Caliban e a Bruxa. Mulheres, corpo e acumulação primitiva" convida a analisar o contexto da Europa de 1600, transição do feudalismo para o capitalismo, as mulheres recebiam muito menos que os já reduzidos salários dos homens e portanto se lançavam à prostituição para complementar a renda, bem como a Igreja Católica começa a caça às bruxas, atacando os direitos reprodutivos das mulheres e impondo a subordinação da esposa ao marido no âmbito familiar, formulando a divisão de mulheres em “a Maria santa e boa trancafiada em casa” e a “perdida Eva, pecadora e expulsa do paraíso”.

Portanto, a visão de “puta”, desde o século XVII, tem uma conotação moral que vai além da venda do sexo, do corpo, mas das mulheres que não estão submissas ao seu homem, sua paixão, seu amor. E por incrível que pareça, quatro séculos depois, esta visão se faz ainda presente, e não à toa, pois se mantém por força de algo poderosíssimo e estruturante para o funcionamento do sistema capitalista: o patriarcado. E por isso mulheres livres incomodam, são subjugadas, marginalizadas, humilhadas e por fim, sem direito ao amor. O amor é algo puro e digno somente a quem faz por merecê-lo. "Putas" certamente não merecem. Além de "puta" a juventude usa bastante o termo "bandida", que vai nesse sentido também da sexualidade livre, mulheres que rompem com o patriarcado estão de fato "fora da lei".

Não pretendo deixar de ser “puta”, nem "bandida". Vivian também não. Então disse a ela que não adianta vivermos amarguradas e nos impingindo sofrimento por não encontrarmos uma paixão correspondida, pois isso está pra além de nós, é uma questão estrutural e que não vai se transformar do dia pra noite. Não é a gente que tem o “dedo podre” e só acerta em cilada, é a sociedade machista que oferece poucas alternativas em encontrar um homem que consiga respeitar nossos desejos. O patriarcado é tão nojento que um dia desses navegando pelo mundo dos comentários nas redes sociais descobri o termo “escravoceta”, destinado aos homens que começam a compreender a problemática do machismo e a tentar realinhar suas condutas para nos garantir respeito, eles são simplesmente escravocetas! Como uma ofensa àqueles que decidiram “trair” o patriarcado. Gente, cadê meu escravoceta? Hahahaha!

Infelizmente numa sociedade machista precisamos nos adaptar para manter nossa identidade e aprender a ser felizes com o que temos. Pode ser que um dia apareça uma paixão maravilhosa e correspondida, pode ser que sim, nada é impossível na vida, já tem até os escravocetas! Haha! Mas assim, precisamos ter ciência que é uma possibilidade bem remota por conta das escolhas que fizemos dentro do contexto social que nos envolve, e também por outras questões que não vou me ater agora, como o fato deu ser preta e a Vivian gorda. 

Não podemos nos entregar à tristeza em não conseguirmos alcançar algo tão simples que é um amor correspondido, nem podemos mais seguir no engano de nos dar demais a alguém na esperança de conquistá-lo ou receber tudo de volta, nessa tentativa desmedida e carência absurda de ter um amor, influenciadas também por essa demanda da busca do ideal de amor romântico. Em nome do amor próprio é se dar na mesma medida do que recebe, saber valorizar e viver bem com os diversos afetos pra quem sabe um dia o acaso te premiar, ou não. Hoje, honestamente, tô evitando me lançar em paixões, por conta do que reflito aqui e com base no que já passei e sofri, me restam poucas esperanças em relações com homem hetero, muito ainda pra avançar!

Um dia isso muda, já observamos algumas mudanças graças ao avanço da luta feminista e isso nos anima a seguir lutando. São séculos de doutrinação e certamente é muito trabalho pela frente. Seguiremos firmes e decididas a não nos encaixar em padrões que não cabemos mais, honrando a luta de quem dedicou sua vida pra usufruirmos do que temos hoje. Amo ser "puta", pois para mim "puta" hoje significa ser livre! Se quiser me amar, me ame assim ou viva lá seus padrões confortáveis de relação e me deixe em paz! Garanto que não sabe o que tá perdendo! 😉

sábado, 20 de junho de 2020

A cruel pedagogia do coronavirus para as mulheres

Publiquei um vídeo no meu Instagram e Facebook fazendo análise desta mais recente obra do Boaventura de Sousa, falando mais específico para as mulheres e as negras, meu lugar de fala.



Como recomendei a leitura, venho compartilhar o pdf desse livro, só clicar na imagem abaixo:




quarta-feira, 17 de junho de 2020

Foda-se

Passei uma vida inteira
Achando que eu não podia
Não sou bonita
Não sou capaz
Vou ser agredida
Era o que sempre me dizia

Não tenho peito
Não tenho bunda
E nem nasci pra poesia
Até bater uma siririca
Era algo que eu não sabia
E tudo foi guardado, censurado
Eu só entendia que não devia

Não se pode chamar palavrão
Nem "trair" o seu mozão
Se for assumir o teu "beckão"
Vai sofrer muita sanção

Geme alto quem é puta
Se tiver pêlo é porque é suja
Pois pra ser respeitada
Tem que ter uma conduta
Essa é a face do machismo
Que te julga e te culpa

Mas foda-se quem se incomodar!
Eu vou gemer, eu vou fumar, e vou gozar
E vou escrever, vou me mostrar
Quer um boleto meu pra pagar?

Eu pago o preço por me amar
Pois eu entendo hoje, mulher
Que a gente precisa se libertar
Cada uma no seu tempo
No tempo que precisar
E eu vou estar aqui pra te apoiar!

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Como o dia dos namorados te atinge?

Mais uma vez o feminismo me salvou! O feminismo liberta! Parece até coisa de “palavra da salvação”, né? Mas também não deixa de ser um tanto disso pra mim que passei muitos anos da vida, antes de conhecer o feminismo, me culpando por ser sempre preterida, viver triste por isso e ser tomada pela tristeza no tão propalado dia dos namorados.

Eu sou aquela que recebe muitos elogios e ao mesmo tempo me sentia uma merda. Os muitos elogios geralmente eram pra conseguir me comer mesmo ou pra de uma forma não muito dura ser dispensada de uma relação mais séria. Sou uma ótima amiga, inteligente, engraçada, boa de cama, enfim, uma ótima companhia, MAS, não dá pra levar mais adiante porque não estou preparado pra isso (não muito depois a pessoa aparece namorando), ou já sou comprometido, ou um você é muito especial e merece coisa melhor, uma gama de desculpas que quem é mulher e tá lendo, já sabe como é. 

E digo isso com a certeza de que boa parte das mulheres, em especial as negras, já ouviram e viveram essa história, sempre existe esse “mas”, não é? Pois é, só que antes do feminismo eu me culpava por isso, eu achava que era pelo fato deu ser uma “preta feia”, apelido que foi “carinhosamente” escrito num quadro na sala de aula bem na frente da cadeira onde eu me sentava no ensino médio. Tentava encontrar outros atributos então em mim que fossem mais palatáveis, ou que me tornassem mais desejável, pra me sentir aceita. Eu podia ser feia, mas era gostosa, boa de cama, era um diferencial, e o que me ajudou de fato, estudar. Eu podia ser feia, mas era inteligente, tinha muita leitura, escrevia bem, teria uma boa conversa, mesmo assim, o “mas” não deixava de me acompanhar.

Dia dos namorados então, nossa! Lembro de quantas vezes desmereci essa data, do quanto anulei, do quanto tirei por menos, denunciava como uma data comercial (o que não deixa de ser verdade também), mas no fundo morrendo de vontade de ganhar um buquê de rosas, pois nunca ganhei na vida um buquê de rosas (se bem que hoje preferiria ganhar uma roseira pra poder cultivar sempre as rosas, sou a louca das plantas atualmente), ou doida de vontade de escrever cartas românticas, que gosto muito, pensar num presente, numa surpresa, como fiz das quatro vezes que tive dia dos namorados com alguém nesses meus 24 anos de vida sexual ativa.

Hoje a data não me machuca mais e nem preciso mais maldizê-la, no máximo agora fazer umas graças com a falsa monogamia de muitos casais ou compartilhar memes engraçados, pois o feminismo, e especial o feminismo negro, me fez entender que minha solidão é algo estruturante da sociedade. Com as leituras sobre solidão da mulher negra eu consegui parar de me culpar, consegui trabalhar minha autoestima, deixar o estigma da “preta feia” para trás. Isso implica dizer que outras mulheres não sofram com a solidão? De forma alguma, até porque existem outros fatores como gordofobia, por exemplo, mulheres gordas também são preteridas, se for negra então, piorou! E leva tantas mulheres a perseguir padrões ideiais de beleza pra tentar ser aceita, se mutilando, fazendo dietas absurdas, enfim, tudo pra se sentir aceita e não ficar só. Imagina mulheres com deficiência! Ou então mulheres que são “padrão”, mas não aceitam mais caladas os sapos que temos que engolir muitas vezes dos homens pra sustentar uma relação. Se tu és uma dessas que não tolera e ainda não se identificou feminista, saiba que o feminismo já faz morada em ti!

E é justamente aí que o feminismo salva, ele te alerta que não é necessário mais tolerar, que tu não mereces essas relações, muito menos migalhas afetivas, que o mundo é diverso e tu não precisas ficar perseguindo padrão nenhum ou fazer coisas pra ser aceita e não ficar só, inclusive a solidão acaba sendo o melhor caminho para muitas escaparem de relações abusivas, por mais triste que seja afirmar isso. A solidão não é gostosa, temos que concordar, mas comparado a violência que muitas mulheres já sofreram e ainda sofrem, e que temos relatos aos montes, eu chego a me sentir grata por ter passado boa parte da minha vida só.

Enfim, o feminismo me salvou de muita violência, salvou minha autoestima, me libertou dos padrões, me ajudou a não trancar a faculdade, me ajuda a ser mãe e carregar o peso da maternidade, pois com a maternidade senti na pele o quanto o machismo pode ser ainda mais cruel com as mulheres, o feminismo me salva das culpas. Isso quer dizer que estou isenta de sentir culpa, ou de aceitar migalhas afetivas de vez em quando? Infelizmente não, pois fomos socializadas assim, numa sociedade machista, e é muito difícil se desfazer por completo de muitos anos de mundo encantado da Disney que é implantado em nossas mentes desde a infância, de toda carga diária da indústria cultural sobre padrões de beleza, pois as pessoas que te cercam, e muitas vezes até que te amam, implicitamente te cobram. Mas com o feminismo num momento tu paras e reflete, te livra do mal pensamento, te liberta, seja por si só ou por uma mana feminista que aparece do nada com uma mensagem super bacana que te dá aquele estalo na cabeça e tu pensas: Ei, já tô caindo na armadilha do patriarcado? Tu te levantas e vira o jogo, toma uma atitude, sai de um ciclo, acorda pra vida! 

Hoje eu sou mais feliz por enxergar essas verdades e sigo mais leve sozinha, cultivando diversos afetos, pois o amor é uma força incrível, te cura, o amor é revolucionário! E ele está em diversos formatos, deve ser valorizado e não desdenhado por conta das dores que infelizmente passamos, é lindo ver um casal de pretos se amando, por exemplo, ou sentir a cura que vem do amor de minha filha, e quando eu não era mãe me curava e ainda me alimento de amor com as amizades, com minhas plantas, meus estudos, minha militância, minhas conquistas, e até com os contatinhos, rs (afinal, sozinha sim, mas sem sexo também não dá, né? Huahauha! Mas até contatinhos passam por mais filtros agora e isso me ajuda a evitar problemas). E principalmente: o amor próprio! Colocando o amor por ti na frente, o resto tudinho vai fluir bem!

Com a maturidade e ajuda do feminismo a gente aprende que a felicidade não está num modelo pronto, por mais clichê que pareça dizer isso, a diferença é que a gente trabalha pra que esse clichê se torne real e deixemos de viver escravas dessa caixa de adestramento que vivemos. E o dia dos namorados que parece só uma data inocente e comercial faz parte deste adestramento, pois subliminarmente fortalece o ideal de amor romântico, da felicidade e sucesso só pra quem tem esse amor, o modelo monogâmico como o ideal e também o padrão heteronormativo. Hoje já observamos o mercado sinalizando em propagandas desta data os casais não hetero, e quando o faz de forma escancarada ainda encontra resistências! Mas isso é tão somente uma maneira do capital ampliar seu mercado consumidor, e daria com certeza um outro texto sobre apropriação de pautas sociais como estratégia de fortalecimento do sistema capitalista. Então encerro por aqui e digo:

Muito obrigada, feminismo, por me tornar uma mulher cada vez mais livre!

domingo, 7 de junho de 2020

Resumo: A ralé brasileira: Quem é e como vive

Este livro do Jessé Souza tornou-se agora um divisor de águas em minha vida acadêmica. Que livro FODA!!! E eu só li e resumi o último capítulo, com o título "A má-fé da sociedade e a naturalização da ralé". Leitura muito necessária para entender o porquê da desigualdade social, em especial no Brasil, e porque esse quadro não se altera, além de tocar em muitos aspectos da vida de cada um, trazendo reflexões sobre as ilusões que temos sobre liberdade, amor, de coisas simples e essenciais de nosso cotidiano. Por favor, LEIA!!! Este capítulo subdivide-se em:

A DIMENSÃO POLÍTICA DA DIGNIDADE E DO EXPRESSIVISMO

A EXPANSÃO DO RACIONALISMO OCIDENTAL PARA A PERIFERIA E A SINGULARIDADE DA DESIGUALDADE SOCIAL BRASILEIRA

A MÁ-FÉ DA SOCIEDADE

A PASSIVIDADE POLÍTICA E A MISÉRIA EXISTENCIAL E MORAL DA “RALÉ”

COMO ENTENDER OS CONFLITOS SOCIAIS BRASILEIROS DE MODO RADICALMENTE NOVO?


Esse resumo com choque de realidade tem 17 páginas e pode acessar clicando na imagem do livro:


sábado, 6 de junho de 2020

Constituição e transformação da administração pública brasileira

Mais uma produção da quarentena pro meu curso de mestrado. Em pleno calor do verão amazônico conclui esse texto, abordando a constituição e transformação da administração pública no Brasil no decorrer da história - patrimonialista, burocrática e gerencial - desde os primórdios até hoje em dia 😅

O texto tem 8 laudas e pode ser acessado aqui.

sábado, 23 de maio de 2020

Sonhos

Sonho tanto com esse beijo
E talvez nem chegará
Mas tão gostoso de sonhar
Que insisto nesse erro incorrer

A vida é uma teia de incertezas
Em que a ilusão é a regra da realidade
Então esse meu sonho a mais
Não irá me derrubar

Pulsa sempre em mim essa adcição
Por beijos gostosos com paixão
E gente com muito tesão
Desejos que se exasperam na prisão.

sexta-feira, 15 de maio de 2020

Meus versos

Meu forte não são versos
Mesmo assim, os revelo
A transbordar o que sinto
Sem mais pudor do julgamento

Somos tão únicos
E felizmente diversos
A estética dos gostos
Muda a cada movimento

Todos muito bem pensados
E precisos
Ao sabor da elite do poder

Eu perdi a vergonha
De transgredir o sistema
Agora resta força e coragem
Pra arcar com as consequências.

Resumo: O estudo do biopoder. In: Segurança, território e população - Foucault

Mais um resumo do Foucault, para a disciplina "Ferramentas analíticas das ciências humanas" do curso de mestrado em Estado, Governo e Políticas Públicas, da FLACSO. Tive a oportunidade de conhecer essa primeira aula do livro "Segurança, território e população" justamente agora no período de pandemia pelo covid-19! O estudo do biopoder é impressionante pela sua relação com nosso contexto atual, questões de segurança e controle para além do criminal, mas questões de saúde pública e o que nos unifica enquanto espécie, a biologia dos seres humanos e sua intervenção política e econômica no meio, um texto ligado ao campo filosófico, como o mesmo afirma. 
Este livro é fruto de um curso que Foucault ministrou no Collége de France em 1978, onde lecionou de janeiro de 1971 até sua morte em junho 1984 a disciplina História dos sistemas de pensamento. 

O texto tem 7 laudas e pode ser acessado clicando na imagem



quarta-feira, 13 de maio de 2020

Resumo: O nascimento da Biopolítica - Foucault

Esta obra do Foucault faz parte da bibliografia da disciplina "Ferramentas analíticas das ciências humanas" do curso de mestrado em Estado, Governo e Políticas Públicas, pela FLACSO, que estou cursando, e como pouco tive contato com o autor na minha graduação em Ciências Sociais, decidi por minha conta fazer o resumo das duas aulas deste livro que foram indicadas como leitura para a disciplina. Gostaria de fazer do livro inteiro, pois é muito bom, mas só esses dois capítulos me consumiram o dia de hoje todinho! Valeu a pena, pois tive contato com as análises do autor sobre liberalismo e neoliberalismo.

Segue então resumo da aula de 24 de janeiro de 1979 sobre as características específicas da arte liberal de governar. A gestão da liberdade e suas crises. E resumo da aula de 14 de março de 1979 sobre o neoliberalismo americano, seus aspectos e diferenças com o neoliberalismo europeu. A teoria do capital humano.

O texto tem 10 laudas e pode ser acessado ao clicar na imagem abaixo



sábado, 9 de maio de 2020

Resumo: Ciência e Política: Duas vocações - Weber

Resumo vindo de 2017 deste clássico de Max Weber. O primeiro capítulo "A ciência como vocação" fiz pela disciplina Sociologia III - Weber, com a professora Patrícia Santos, e o segundo "A política como vocação" pela disciplina Teoria Política III, ministrada pela professora Marise Morbach. Um privilégio ter sido aluna dessas monstras!

O texto tem 15 laudas e pode ser acessado ao clicar na imagem abaixo


segunda-feira, 4 de maio de 2020

O verdeamarelismo e a copa do mundo no Brasil - Marilena Chauí

Esse é um dos meus primeiros escritos do curso de Ciências Sociais, fiz na disciplina "Formação Social e Econômica do Brasil", 1º semestre de 2014, com base no texto maravilhoso da Marilena Chauí, "O verdeamarelismo", que compõe sua obra "Brasil - Mito fundador e sociedade autoritária". Estava gestante e logo no comecinho do curso já fui experimentar os empecilhos da maternidade numa sociedade machista até para fazer uma graduação em CS, que inclui ter o conceito rebaixado por causa da frequência, mesmo que explicando e implorando sobre os motivos, eu tive que passar por isso. Era ano de copa do mundo no Brasil, do 7 x 0, e eu também levei minha pisa por ser uma mulher grávida!


O verdeamarelismo e a Copa do Mundo no Brasil 

Em 2014, Brasil, o país do futebol sedia o evento que todo o país acompanha como devoção, a Copa do Mundo. São milhões de brasileiros que se mobilizam, mergulham no verde-e-amarelo muito mais do que nas datas cívicas para louvar sua amada nação, abençoada por Deus e bonita por natureza. O que podemos analisar e relacionar de um esporte com os conceitos de pátria e nação? 

Podemos começar compreendendo que o verdeamarelismo deste período tem caráter ideológico. As relações sociais e a história vem dar luz à ideologia e Marilena Chauí teoriza desta forma, afirmando que a história é práxis (modo de agir no qual o agente, sua ação e o produto de sua ação são termos intrinsecamente ligados e dependentes uns dos outros). Assim, a história é o real e o real é o movimento pelo qual os homens, em condições que nem sempre foram escolhidas por eles, instauram um modo de sociabilidade e procuram fixá-lo em instituições determinadas (família, condições de trabalho, relações políticas, instituições religiosas, etc.). Além disso produzem idéias ou representações pelas quais procuram explicar e compreender sua própria vida individual, social, suas relações com a natureza e com o sobrenatural. Essas idéias ou representações, no entanto, tenderão a esconder dos homens o modo real como suas relações sociais foram produzidas e a origem das formas sociais de exploração econômica e de dominação política. Esse ocultamento da realidade social chama-se ideologia. 

Através da Copa do Mundo, que surge no início do século XX, consegue-se com facilidade implantar a ideologia da “questão nacional” devido tratar-se de uma competição que envolve bandeiras nacionais, bandeiras estas que Marilena Chauí em sua obra “Brasil Mito Fundador e Sociedade Autoritária” denomina como semióforos. Estes semióforos surgem justamente da necessidade do poderio econômico, mais especificamente o liberalismo, desenvolver um mecanismo de dominação dos povos, obtendo lealdade dos mesmos dentro de um determinado território. 

Neste caso, a ideologia da questão nacional é fruto da classe dominante brasileira que a coloca como imagem celebrativa do “país essencialmente agrário” que buscava legitimar o que restara do período colonial e a hegemonia dos grandes proprietários de terra. Quando esta classe falava em “progresso” pensava diretamente no avanço das atividades agrárias e extrativas. Esta é vista como o primeiro processo ideológico de nacionalismo no Brasil. 

A partir da década de 50 se inicia o processo de industrialização do país, dando lugar à uma nova ideologia, a do nacionalismo desenvolvimentista caracterizado pela chegada da burguesia industrial, dando destaque ao ano de 1958, governo Juscelino kubsticheck. Não à toa as marchinhas da seleção brasileira bradavam o famoso “pra frente Brasil” cantado até os dias atuais. 

Este período corresponde ao momento de transição da ideologia do “caráter nacional” para a da “identidade nacional”. Esta transição para o nacional-desenvolvimentismo ocorre também em transição da “dependência consentida” para a “dependência tolerada”, que de acordo com Marilena Chauí é “quando a classe dominante, dependendo dos países centrais industrializados para obter equipamentos, tecnologias e financiamentos, julga essa situação essencialmente provisória, a ser superada tão logo a industrialização fizesse a economia emparelhar como a mais adiantada”. Deste modo, é possível ver que seria necessário o desmonte do verdeamarelismo, porém posteriormente de forma difusa e ambígua o mesmo permaneceu. 

Ficou difícil este desmonte devido também da apropriação pela indústria do turismo que trabalhou o café, futebol e carnaval made in Brazil. Além disto, a industrialização não emplaca como carro-chefe da economia brasileira como economia capitalista desenvolvida e independente. 

No Estado Novo surge a luta contra a dispersão e a fragmentação do poder das oligarquias estaduais, e como instrumento foi instalada a obrigatoriedade do culto à bandeira e ao hino nacional nas escolas de todos os graus em paralelo a queima das bandeiras estaduais. 

Na era Vargas, surge a necessidade de incorporar a luta de classes no ideário da questão nacional, assumindo que não há lugar para a luta de classes e sim para a cooperação e colaboração entre capital e trabalho sob vigilância do Estado. Desta forma, ao passo que admite a existência da classe trabalhadora, busca neutralizar os riscos de ação política desta classe através da legislação trabalhista e da figura do governante como “pai dos pobres”. 

A festa brasileira em torno da Copa do Mundo passa a ser entendida como ação do Estado, ganhando caráter de festa cívica, devido a ação deliberada do Estado na promoção da imagem verdeamarela. 

Como forma de manter o status quo da classe dominante, o Estado com a ideologia da questão nacional trabalha o verdeamarelismo sobre a base da ação criadora de Deus e da natureza: as cores da bandeira nacional nos remetem ao Brasil-natureza, um país com recursos próprios em abundância, portanto com grandes perspectivas de desenvolvimento capital e trabalho para o mercado interno. 

Ou seja, nossa bandeira não reflete a história de nosso país, diferente das bandeiras de outras nações que possuem cunho histórico e remetem às revoluções. Nosso histórico de colônia de exploração devido à abundância de recursos naturais e herança cultural de nossa colonização é facilmente escamoteada como algo divino, abençoado, positivo aos olhos da população. 

Neste período que segue com a ditadura, o verdeamarelismo é reforçado por conta das três principais tarefas que o regime determina, que é a integração nacional, a segurança nacional e o desenvolvimento nacional. O Brasil, grande em seu território, busca através da identidade nacional reforçar suas fronteiras e unificar, e nada como o forte sentimento de nação unida durante a Copa do Mundo para corroborar neste processo. Para isto, o regime se utiliza dos meios de comunicação em massa, através de programas televisivos, de rádio com “A hora do Brasil” e do Mobral, que vinha com o objetivo de destruir o Método Paulo Freire de Alfabetização. 

Podemos observar então a ambigüidade do verdeamarelismo, que por um lado coloca o país como detentor de grandes riquezas e de outro a necessidade de crescimento, desenvolvimento econômico. Nasce então a perspectiva de três sujeitos na cão do verdeamarelismo: Deus e a natureza de um lado e de outro o Estado como grande vetor e responsável pelo desenvolvimento ou não do país. A identidade do Brasil é estabelecida então pelo atraso, pelo subdesenvolvimento. 

Como na atualidade nosso país é visto como “país emergente” em pleno desenvolvimento, a ideia de identidade nacional parece pertencer ao passado, perdendo assim o sentido. Hoje toma corpo o discurso de ação dos direitos civis, do multiculturalismo, do direito à diferença e a prática econômica neoliberal tirou de cena as nacionalidades, que tem somente relevância em países que não tem muito peso em termos de poderes econômicos e políticos. 

Por conta disso, vemos o peso e a importância do respeito entre os povos, em que as seleções possuem jogadores com diferenças étnicas latentes, e rapidamente torna-se polêmico o racismo dentro do futebol, como vivenciamos recentemente nesta Copa do Mundo de 2014 em que o jogador italiano por ser negro sofreu preconceito dos torcedores de seu país por não considerá-lo italiano devido sua cor. 

Apesar de parecer pertencer ao passado as questões de identidade nacional e o discurso ufanista não fazer mais sentido, situações como esta revelam como ainda é forte a herança de uma campanha nacionalista sobre a população. E voltando ao Brasil, podemos observar no ano de 2013 os símbolos que surgiram durante as manifestações que tomaram conta das ruas em Junho. 

Diferente das manifestações capitaneadas pelos movimentos sociais, as conhecidas “manifestações de junho” carregavam muitos elementos nacionalistas que foram abordados até agora, multidões com bandeiras do Brasil, cantando o hino nacional e reivindicando um país melhor, ficaram muito evidentes os elementos utilizados pelo Estado no período da ditadura para manter a “ordem e o progresso” no país. 

Outro aspecto que se assemelha com o período de fortalecimento da identidade nacional foi o papel da mídia na divulgação e promoção dos atos nas ruas. Foi através dos meios de comunicação de massa, televisão, rádio e agora mais recentemente a internet, que a população tomou conhecimento inclusive dos horários e trajetos das manifestações, mobilizando desta forma a população para encher as avenidas. 

O estopim do movimento foi o aumento da tarifa do ônibus em São Paulo que sofria reivindicação dos movimentos sociais, porém o período em que ocorreu, próximo à Copa das Confederações nos dá o sinal de que os protestos viriam contra a Copa do Mundo de 2014, que diante dos vultosos gastos massificados pela mídia teriam o intuito de atacar o governo, de um partido de oposição a ordem política que vinha se mantendo no país, e por conta do ideário do Estado como sujeito do desenvolvimento do país, herança cultural que carregamos do período nacionalista, é que se pode concluir que o alvo seria o governo brasileiro. 

Percebemos um refluxo no clima para a Copa do Mundo no Brasil, porém não somente pelos protestos de 2013, mas sim pelo que foi abordado sobre o sistema político econômico vigente que não considera mais o nacionalismo com tanta relevância. Além disto, a Copa do Mundo capitaneada pela FIFA ganha nova configuração com o sistema capitalista, tornou-se muito mais que elemento de dominação dos povos pelo território, a dominação é mercadológica, de consumo, e portanto o evento não pode sofrer impactos sob o risco de prejudicar os lucros do empreendimento. 

A grande mídia, que pertence a poucas famílias com grande poderio econômico, teve que baixar guarda da ofensiva contra o governo, pois é mantida também com os lucros que hoje também o negócio Copa do Mundo rende. Portanto, verificamos que as relações de poder modificaram sua forma de atuação, mas permanecem com o mesmo objetivo de outrora: a manutenção da propriedade e lucros das classes dominantes. 

Ou seja, o ganho de consciência que poderíamos comemorar da população brasileira por ter se levantado à ordem em forma de protestos acaba se tornando frustrado ao avaliarmos que essa mesma massa foi levada por mecanismos tão retrógrados como o do nacionalismo do início e metade do século XX, além de nos colocar em alerta sobre a facilidade destes mecanismos de ordem muitas vezes fascista ainda repercutir de forma tão rápida e assustadora, denotando o quanto o brasileiro desconhece sua história.

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Ideias econômicas anteriores a Adam Smith - Hunt

Este é um pequeno resumo do capítulo 2 do livro História do Pensamento Econômico, do Hunt, que fiz quando cursei a disciplina Economia Política em 2014, com um professor uó que me fez ir parida com minha bebê no colo pra fazer prova. Eu lembro de cada humilhação que passei por conta da maternidade na academia, situações que não havia necessidade alguma deu passar num curso de Ciências Sociais, mas que passei porque nossa estrutura é cruel para mulheres. Enfim, segue o texto.


Resumo de: HUNT, E. K. História do pensamento econômico. 
7ª Ed. Rio de Janeiro: Campus, 1981. 

Capítulo 2: Ideias Econômicas Anteriores a Adam Smith 


No presente capítulo, Hunt trata do início da época mercantilista e o que os autores mercantilistas consideravam como fonte dos lucros, dando destaque ao fato de que não era por incapacidade intelectual ou teórica que os mesmos não definiram de forma correta, que na verdade suas ideias somente refletiam a realidade econômica da época em que escreveram. 

Em seu primeiro tópico faz um apanhado dos primeiros registros escritos mercantilistas sobre valor e lucro, evidenciando a importância de compreender os determinantes dos preços pelos quais as mercadorias eram compradas e vendidas como crucial para compreender os lucros do mercador. Trata das afirmações dos primeiros pensadores medievais que diziam que os preços eram determinados pelos custos de produção que incluía uma remuneração implícita e apropriada do trabalho do artesão, que devia ser suficiente para manter seu estilo de vida tradicionalmente reputado. 

Porém, os primeiros mercantilistas abandonaram essa orientação e passaram a se concentrar no ponto de venda para analisar os valores, destacando três pontos importantes sobre a teoria de valor por Nicholas Bardon, que são o “valor natural” das mercadorias (preço real de mercado), as forças de oferta e da procura e o “valor intrínseco” ou valor de uso. 

Desta forma, os primeiros mercantilistas viam o lucro como originário basicamente do ato de troca, nestas circunstâncias pela inflação dos séculos XVI e XVII e as diferentes condições de produção em várias regiões de um país ou em várias partes do mundo aliado ao fato de haver pouca mobilidade de recursos, tecnologia e mão de obra, diferenciando os preços. 

Além disso, faz uma análise da continuidade ideológica entre as políticas mercantilistas e a ordem econômica medieval, que confiava na ética cristã paternalista, que justificava extremas desigualdades de riqueza, tendo como vetor a Igreja Católica e futuramente o Estado assumindo este papel paternalista, reconhecendo que aqueles que sofriam com as deficiências do sistema econômico deveriam ser alvo dos cuidados daqueles que dela se beneficiavam. 

O capítulo segue a tratar dos escritos mercantilistas posteriores e a filosofia do individualismo, que surgiu à medida que o capitalismo foi se desenvolvendo com o aumento da concorrência e difusão do comércio, fruto do processo em que os mestres foram se transformando nos organizadores e controladores do processo produtivo, passando a ser empregadores ou capitalistas. 

Neste processo abre o espaço ao pensamento de diversos filósofos, economistas e outros pensadores que rejeitavam a antiga visão paternalista do estado e deu início a formulação de uma nova filosofia do individualismo, que encontrou espaço com a Reforma Protestante, com a doutrina de que o homem era bom pela fé e não pelas obras, diferente da Igreja Católica que pregava o homem bom pelas obras, que implicava em cerimônias e rituais e que o mesmo não poderia salvar-se sozinho, somente pelo intermédio da Igreja. 

Deste modo, o texto vem tratar das políticas econômicas do individualismo em que a busca do lucro só teria eficácia numa sociedade baseada na proteção dos direitos de propriedade. Dá-se as origens da teoria clássica de preços e lucro com a criação de uma mão de obra “livre”, com aumento da produtividade e da divisão do trabalho. 

Por fim, o capítulo aborda brevemente sobre as ideias dos fisiocratas, escola francesa de economistas do século XVIII discípulos intelectuais de François Quesnay, que considera importante abordar antes de adentrar no estudo de Adam Smith, devido os mesmos advogarem uma reforma política, pois a França passava por desordens econômicas e sociais causadas pelas piores características do feudalismo e capitalismo comercial. Porém o autor deixa claro que a influência dos fisiocratas foi basicamente intelectual e não política expressas através do Tableu Économique de Quesnay, basicamente um modelo de economia centrado na agricultura. 

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Resumo: A Questão Judaica - Marx

Isolamento social causa nostalgia! E eu vim puxar do baú da minha nuvem (ah se essa nuvem existisse a mais tempo!) esse resumo de um dos clássicos de Marx, feito em 2015 na ocasião que cursava a disciplina Sociologia I - Marx, com a Profª Zuleide Ximenes Pontes. Essa sem dúvida foi uma das disciplinas que melhor aproveitei nesse curso!



Resumo de: MARX, Karl. A Questão Judaica.
1ª Ed. São Paulo:Centauro, 2005.

A questão judaica, englobando os dois ensaios de Karl Marx, foi publicada em 1844 no primeiro e único dos Anais FrancoAlemães, em resposta aos seguintes artigos de Bruno Bauer dedicados ao tema: “A questão judaica”, publicado nos Anais Franco-Alemães de 17 a 29 de novembro de 1842, e “Sobre a capacidade de judeus e de cristãos atuais ascenderem à liberdade”, publicado nas Vinte e uma folhas de Georg Herwegh, em maio de 1843.

Esta obra vem extenuar as divergências de Marx com Bruno Bauer. Marx substitui a crítica filosófica por uma crítica de caráter mais político e social, ao passo que Bauer se mantém preso à concepção da filosofia crítica cuja ação acreditava-se ser capaz de engendrar profundas modificações na realidade humana.

No primeiro capítulo, Marx trata da emancipação desejada pelos judeus, e já inicia com o questionamento de Bauer sobre qual seria essa emancipação, ao qual responde de pronto: a emancipação civil, a emancipação política. Porém Bauer os contesta: Na Alemanha, ninguém está politicamente emancipado. Nós mesmos carecemos de liberdade. Como vamos, então, libertar-vos? Vós, judeus, sois egoístas quando exigis uma emancipação especial para vós, como judeus. Como alemães, devíeis trabalhar pela emancipação política da Alemanha; como homens, pela emancipação humana.

Ao pretender a emancipação do Estado cristão, o judeu exige que o Estado cristão abandone seu preconceito religioso. Por acaso ele abandona o seu? Tem, assim, o direito de exigir dos outros que abdiquem de sua religião? Como, então, resolve Bauer a questão judaica? Qual o resultado? Formular um problema é resolvê-lo. crítica da questão judaica é a resposta a esta formulação. E resultado, resumido, os seguinte: Antes de poder emancipar os outros, precisamos emancipar-nos.

Bauer exige, assim, que o judeu abandone o judaísmo e que o homem em geral abandone a religião, para ser emancipado como cidadão. E, por outro lado, considera a abolição política da religião como abolição da religião em geral. O Estado que pressupõe a religião não é um verdadeiro Estado, um Estado real.

Bauer incorre em contradições, por não trazer o problema para este nível. Apresenta condições que não se fundamentam na essência da própria emancipação política. Formula perguntas que não envolvem seu problema e resolve outros que deixam sua pergunta sem contestação. Ao se referir aos adversários da emancipação dos judeus, Bauer diz textualmente que "seu erro consistia somente em partir do pressuposto do Estado cristão como o único verdadeiro e de não submetê-lo à mesma crítica que dirigiam ao judaísmo" (p. 3). Verificamos, aqui, que o erro de Bauer reside em concentrar sua crítica somente no "Estado cristão", ao invés de ampliá-la para o "Estado em geral". Bauer não investiga a relação entre a emancipação política e a emancipação humana, fato que o faz apresentar condições que só se podem explicar pela confusão isenta de espírito crítico entre emancipação política e emancipação humana em geral. A pergunta de Bauer, dirigida aos judeus: "Tendes, do vosso ponto de vista, direito a aspirar à emancipação política?", opomos o inverso: "Terá o ponto de vista da emancipação política direito a exigir do judeu a abolição do judaísmo e, do homem em geral, a abolição da religião?"

A emancipação política do judeu, do cristão e do homem religioso em geral é a emancipação do Estado do judaísmo, do cristianismo e, em geral, da religião. De modo peculiar à sua essência, como Estado, o Estado se emancipa da religião ao emancipar-se da religião de Estado, isto é, quando o Estado como tal não professa nenhuma religião, quando o Estado se reconhece muito bem como tal. A emancipação política da religião não é a emancipação da religião de modo radical e isento de contradições, porque a emancipação política não é o modo radical e isento de contradições da emancipação humana.

O limite da emancipação política manifesta-se imediatamente no fato de que o Estado pode livrar-se de um limite sem que o homem dele se liberte realmente, no fato de que o Estado pode ser um Estado livre sem que o homem seja um homem livre. E o próprio Bauer reconhece isto tacitamente quando estabelece a seguinte condição para a emancipação política: "Todo privilégio religioso em geral, incluindo, por conseguinte, o monopólio de uma igreja privilegiada, deveria ser abolido; se alguns, vários ou mesmo a grande maioria se acreditasse na obrigação de cumprir seus deveres religiosos, o cumprimento destes deveria ficar a seu próprio arbítrio, como assunto exclusivamente privado". Portanto, o Estado pode ter-se emancipado da religião, ainda que e inclusive, a grande maioria continue religiosa. E a grande maioria não deixará de ser religiosa pelo fato da sua religiosidade ser algo puramente privado.

A ascensão política do homem acima da religião partilha de todos os inconvenientes e de todas as vantagens da ascensão política em geral. O Estado como tal, anula, por exemplo, a propriedade privada. O homem declara abolida a propriedade privada de modo político quando suprime o aspecto riqueza para o direito de sufrágio ativo e passivo, como já se fez em muitos Estados norte-americanos. Hamilton interpreta com toda exatidão este fato, do ponto de vista político, ao dizer: "A grande massa triunfou sobre os proprietários e o poder do dinheiro". Acaso não se suprime idealmente a propriedade privada quando o despossuído se converte em legislador dos que possuem? O aspecto riqueza é a última forma política de reconhecimento da propriedade privada.

Não há dúvida que a emancipação política representa um grande progresso. Embora não seja a última etapa da emancipação humana em geral, ela se caracteriza como a derradeira etapa da emancipação humana dentro do contexto do mundo atual. É óbvio que nos referimos à emancipação real, à emancipação prática.

A desintegração do homem no judeu e no cidadão, no protestante e no cidadão, no homem religioso e no cidadão, não é uma mentira contra a cidadania, não é a evasão da emancipação política; representa, isto sim, a própria emancipação política, o modo político de emancipação da religião. É certo que nas épocas em que o Estado político nasce violentamente, como tal, do seio da sociedade burguesa, quando a auto-emancipação humana aspira realizar-se sob a forma de auto-emancipação política, o Estado pode e deve ir até à abolição da religião, até sua destruição, assim como vai até à abolição da propriedade privada, das taxas exorbitantes, do confisco, do imposto progressivo, à abolição da vida, à guilhotina. A vida política trata de esmagar - nos momentos de seu amor próprio especial - aquilo que é a sua premissa, a sociedade burguesa e seus elementos, e a constituir-se na vida genérica real do homem, isenta de contradições. Só pode consegui-lo, todavia, mediante contradições violentas com suas próprias condições de vida, declarando permanente a revolução; o drama político termina, por conseguinte, não menos necessariamente, com a restauração da religião, da propriedade privada, de todos os elementos da sociedade burguesa, do mesmo modo que a guerra termina com a paz.

A contradição em que se encontra o crente de uma determinada religião com sua cidadania nada mais é do que uma parte da contradição secular geral entre o Estado político e a sociedade burguesa. A consagração do Estado cristão reside na abstração da religião de seus membros, quando o Estado se professa como tal. A emancipação do Estado em relação à religião não é a emancipação do homem real em relação a esta.

Por isto, não dizemos aos judeus, como Bauer: não podeis emancipar-vos politicamente se não vos emancipais radicalmente do judaísmo. Ao contrário, dizemos: podeis emancipar-vos politicamente sem vos desvincular radical e absolutamente do judaísmo porque a emancipação política não implica emancipação humana. Quando vós, judeus, quereis a emancipação política sem vos emancipar humanamente, a meia-solução e a contradição não residem em vós, mas na essência e na categoria da emancipação política. E, ao vos perceber encerrados nesta categoria, lhes comunicais uma sujeição geral. Assim como o Estado evangeliza quando, apesar de já ser uma instituição, se conduz cristãmente frente aos judeus, do mesmo modo o judeu pontifica quando, apesar de já ser judeu, adquire direitos de cidadania dentro do Estado.

Mas, se o homem, embora judeu, pode emancipar-se politicamente, adquirir direitos de cidadania dentro do Estado, pode reclamar e obter os chamados direitos humanos? Bauer nega esta possibilidade. "O problema está em saber se o judeu, como tal, isto é, o judeu que se confessa obrigado por sua verdadeira essência a viver eternamente isolado dos outros, é capaz de obter e conceder aos outros os direitos gerais do homem".

Segundo Bauer, o homem tem que sacrificar o "privilégio da fé" se quiser obter os direitos gerais de homem. Detenhamo-nos, um momento, a examinar os chamados direitos humanos em sua forma autêntica, sob a forma que lhes deram seus descobridores norte-americanos e franceses. Eu parte, estes direitos são direitos políticos, direitos que só podem ser exercidos em comunidade com outros homens. Seu conteúdo é a participação na comunidade e, concretamente, na comunidade política, no Estado. Estes direitos se inserem na categoria de liberdade política, na categoria dos direitos civis, que não pressupõem, como já vimos, a supressão absoluta e positiva da religião nem, tampouco, portanto e por exemplo, do judaísmo. Resta considerar a outra parte dos direitos humanos, os droits de l'homme, e como se distinguem dos droits du citoyen.

A liberdade, por conseguinte, é o direito de fazer e empreender tudo aquilo que não prejudique os outros. O limite dentro do qual todo homem pode mover-se inocuamente em direção a outro é determinado pela lei, assim como as estacas marcam o limite ou a linha divisória entre duas terras. Trata-se da liberdade do homem como de uma mônada isolada, dobrada sobre si mesma. Por que, então, segundo Bauer, o judeu é incapaz de obter os direitos humanos? "Enquanto permanecer judeu, a essência limitada que faz dele um judeu tem que triunfar necessariamente sobre a essência humana que, enquanto homem, o une aos demais homens e o dissocia dos que não são judeus". Todavia, o direito do homem à liberdade não se baseia na união do homem com o homem, mas, pelo contrário, na separação do homem em relação a seu semelhante. A liberdade é o direito a esta dissociação, o direito do indivíduo delimitado, limitado a si mesmo.

O direito humano à propriedade privada, portanto, é o direito de desfrutar de seu patrimônio e dele dispor arbitrariamente (à son gré), sem atender aos demais homens, independentemente da sociedade, é o direito do interesse pessoal. A liberdade individual e esta aplicação sua constituem o fundamento da sociedade burguesa. Sociedade que faz com que todo homem encontre noutros homens não a realização de sua liberdade, mas, pelo contrário, a limitação desta. Sociedade que proclama acima de tudo o direito humano "de jouir et de disposer à son gré de ses biens, de ses revenues, du fruit de son travail et de son industrie".

Nenhum dos chamados direitos humanos ultrapassa, portanto, o egoísmo do homem, do homem como membro da sociedade burguesa, isto é, do indivíduo voltado para si mesmo, para seu interesse particular, em sua arbitrariedade privada e dissociado da comunidade. Longe de conceber o homem como um ser genérico, esses direitos, pelo contrário, fazem da própria vida genérica, da sociedade, um marco exterior aos indivíduos, uma limitação de sua independência primitiva. O único nexo que os mantém em coesão é a necessidade natural, a necessidade e o interesse particular, a conservação de suas propriedades e de suas individualidades egoístas.

Toda emancipação é a recondução do mundo humano, das relações, ao próprio homem. A emancipação política é a redução do homem, de um lado, a membro da sociedade burguesa, a indivíduo egoísta independente e, de outro, a cidadão do Estado, a pessoa moral.

Somente quando o homem individual real recupera em si o cidadão abstrato e se converte, como homem individual, em ser genérico, em seu trabalho individual e em suas relações individuais; somente quando o homem tenha reconhecido e organizado suas "forces propres" como forças sociais e quando, portanto, já não separa de si a força social sob a forma de força política, somente então se processa a emancipação humana.

terça-feira, 28 de abril de 2020

Partidos Políticos e o Estado de Bem Estar Social

Ainda bem que nessa quarentena meu curso de mestrado está seguindo a todo vapor! Este trabalho é a tarefa nº 2 da disciplina "Ferramentas analíticas das Ciências Humanas" do Mestrado em Estado, Governo e Políticas Públicas da FLACSO - Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais. Este curso é semi-presencial, oferecido através da Perseu Abramo exclusivamente a filiados e filiadas no PT, estou gostando muito! Muitas leituras interessantes e que estão totalmente ligadas com o que estudei em Ciências Sociais na UFPA. A cada 15 dias tenho atividade, assisto as aulas em vídeo, posso tirar dúvidas no fórum da plataforma do curso, leio a bibliografia apontada na ementa e redijo a tarefa solicitada. Essa fazia parte do conteúdo de "Tópicos Introdutórios em Ciência Política II", com o seguinte comando:

"Esta unidade trata de diferentes formas de organização e reação da sociedade diante dos efeitos produzidos pelas formas de exploração do trabalho desde o advento do capitalismo: sindicatos, partidos políticos, movimentos sociais e Estado de Bem-Estar Social. 
Escolha duas dessas formas de organização social/institucional e discorra sobre suas origens e mudanças. Como as relações entre elas aparecem na bibliografia? Como esses elementos ajudam a analisar os temas de suas transformações e declínio?"
Fiz o texto que encontra-se abaixo e fui avaliada com 10! 😊 Boa leitura!


Partidos Políticos e o Estado de Bem-Estar Social

É reconhecida pelos estudiosos a importância dos partidos políticos para pleno funcionamento de regimes democráticos, pois através deles é possível se estruturar a competição política, ou seja, a disputa dos interesses de cada classe. Suas origens remontam nas primeiras articulações no século XIX das agremiações de notáveis, que mantiveram sua existência através de partidos conservadores e liberais no século XX, como apresentado no texto de Osvaldo Amaral, que aborda a visão dos principais teóricos sobre o tema, tendo Robert Michels [1911] como um dos pioneiros na ciência política, que teoriza sobre a burocratização dos partidos políticos diante da “incapacidade das massas em se dirigir aliada às exigências técnico-administrativas de uma organização complexa como um partido político” (AMARAL, 2013, p.13). Bem como a obra Os Partidos Políticos (1980) de Maurice Duverger, em que o autor se destaca como um dos primeiros a tentar sistematizar a diversidade partidária, elaborando uma tipologia e esboçando uma teoria geral dos partidos políticos.
Neste sentido, tomando por base partidos da Europa Ocidental, Duverger fez análise comparativa destes combinando elementos históricos, ideológicos e organizacionais, construindo os tipos de partido, que são os partidos de quadro e os partidos de massa. O primeiro correspondente ao tipo que deu origens aos partidos, as agremiações de notáveis, que tinham como características centrais sua origem interna ao parlamento, não possuía claros critérios de adesão, descentralizada estrutura nacional e financiamento partidário que depende de alguns doadores privados. Os partidos de massa surgem com a expansão do sufrágio no final do século XIX e começo do século XX, ocasião em que adentra um grande contingente de pessoas na cena política, que levou também ao desenvolvimento dos partidos socialistas e comunistas, que integraram grandes contingentes de trabalhadores por estarem alinhados à concepção marxista de partido-classe. Nestes, as principais características são sua origem extraparlamentar, rigorosos requisitos de filiação, subordinação dos parlamentares ao partido e organização interna de alta intensidade. Por este estudo, Duverger define o partido de massa como modelo de partido que mais se adapta às condições impostas pela democracia moderna.
A partir de 1960 passa a ser observada transformações comportamentais e organizacionais de diversas agremiações da Europa Ocidental, em que o autor apresenta os estudos de Kirchheimer (1966) a respeito, que veio a sistematizar e propor um novo modelo para explicar essas novas características, representando uma inversão à hipótese de Duverger, e desenvolve o conceito de partido catch all. Para este:
A combinação entre crescimento econômico e amadurecimento do Estado de Bem-Estar provocou uma redução na polarização social e política, diminuindo a importância tanto da ideologia quanto das distinções de classe na cena partidária. Acompanhando as mudanças sociais mais amplas na Europa Ocidental, os partidos de massa estavam gradualmente transformando-se em agremiações diluídas ideologicamente, com apelos genéricos a todos os grupos sociais e cada vez mais voltadas para o sucesso eleitoral. (AMARAL, 2013, p.15).
Interessante correlacionar com o que Fiori apresenta em seu texto Estado do Bem-Estar Social Padrões e Crises (1997) sobre essas mudanças a partida da década de 60, destacando que “a nova esquerda em nome de um projeto de aprofundamento da ‘democracia participativa’ também viu no Estado de Bem-Estar Social uma peça central do imenso e anônimo aparelho de Estado responsável por um gigantesco trabalho de ‘cooptação’ e desativação da classe trabalhadora.” (FIORI, 1997, p.13)
O partido de tipo catch all, para Kirchheimer, tem como principais características: a) desideologização do discurso partidário; b) fortalecimento da liderança; c) declínio da importância da militância de base; d) apelo eleitoral pluriclassista; e) abertura para grupos de interesse variados (KIRCHHEIMER, 1966. In: AMARAL, 2013, p.15) .
Dentre essas transformações no período pós-guerra, que afetam as características dos partidos, vale ainda retornar ao texto de Fiori que trata dessas transformações no que tange a viabilidade e o sucesso dos welfare contemporâneos, e merece destaque duas de suas grandes pilastras identificadas pelo autor, que é o “clima” de solidariedade nacional que se instalou nos países depois da guerra seguida da solidariedade supranacional gerada por este novo quadro geopolítico, e o:
Avanço das democracias partidárias e de massa que, pelo menos nos países centrais onde de fato pode-se falar de welfare , permitiu que a concorrência eleitoral aumentasse o peso e a importância das reivindicações dos trabalhadores e dos seus sindicatos e partidos e dos demais setores sociais interessados no desenvolvimento dos sistemas de welfare states. (FIORI, 1997, p.5)
Fiori relaciona o que é possível concluir com mais consistência sobre a explicação da construção e expansão do Estado de Bem-Estar Social, que são:
i. a natureza, forma e ritmo do desenvolvimento econômico; ii. o grau, intensidade e organicidade da mobilização da classe operária; iii. o grau de avanço do desenvolvimento político-institucional; iv. a extensão ou impacto do efeito de difusão das inovações ocorridas nos países paradigmáticos; v. a forma peculiar e a intensidade em que se desenvolve a luta política envolvendo os partidos que tradicionalmente representaram o mundo do trabalho. (FIORI, 1997, p.11)
Retornando à dinâmica dos partidos e aos argumentos do texto de Amaral, o mesmo apresenta os estudos de Katz e Mair (1995) que identificaram a emergência de um novo modelo de partido nas democracias contemporâneas, o partido cartel, que seria uma linha evolutiva do partido de quadros, massas e catch all.
É importante tratar do partido cartel justamente por ter como característica suas relações com o Estado, que acabam sendo essenciais para sobrevivência da organização, articulando a aquisição de recursos necessários para sua sobrevivência, que Amaral destaca como fatores indicativos dessa dependência a garantia de acesso aos meios de comunicação de massa, a manutenção de assessores de parlamentares e de membros do Executivo, as atividades e organização partidária moldadas por regulamentações estabelecidas pelo Estado, a legitimidade que o Estado dá aos partidos quando seus membros ocupam os cargos públicos e a patronagem partidária, que para Mair é a utilização de recursos estatais pelos partidos para distribuição de incentivos seletivos para seus membros ou seus apoiadores.
Essa aproximação com o Estado traz consequências consideráveis para a prática democrática e a disputa interpartidária, pois “durante a prevalência dos modelos de partidos de massa e catch all, as agremiações agiam como intermediárias dos interesses da sociedade civil junto ao Estado. Agora, é o Estado que atua como intermediário entre os partidos e a sociedade civil.” (MAIR, 1994. In: AMARAL, 2013, p.18).
Amaral, seguindo a lógica dos autores que aborda em seu texto, afirma que “o processo de cartelização dos sistemas políticos tem consequências perigosas para o próprio regime democrático, pois os partidos não conseguem mais preencher o espaço de representação e agregação de interesses, abrindo lacunas para lideranças populistas e agremiações ‘antipartidos’.” (KATZ e MAIR, 2009. In: AMARAL, 2013,p.28).
Porém, segundo sua análise, os autores afirmam que não há até o presente nenhuma forma de organização política que se mostre superior aos partidos políticos no sentido de viabilizar a competição política nas democracias contemporâneas e que estas agremiações conseguiram no decorrer da história adaptar-se e superar os desafios encontrados de forma impressionante.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL, Oswaldo. O que sabemos sobre a organização dos partidos políticos: uma avaliação de 100 anos de literatura. Revista debates, Porto Alegre, v.7, n.2, 2013.

FIORI, José Luís. Estado do Bem-Estar Social: Padrões e Crises. São Paulo: IEA, 1997. Disponível em: www.iea.usp.br/artigos

segunda-feira, 27 de abril de 2020

A monogamia sempre me venceu

Sou uma preta doida. Me apelidei assim porque desde a adolescência era chamada de doida, seja por minhas gaiatices, por ser impulsiva, atrevida, por não concordar com as caixinhas impostas pela sociedade, pelos meus fetiches, desejos ou por não tolerar injustiças e me fazer de doida mesmo! Doida é quem não está dentro do “normal”, não se sente contemplada com o padrão oferecido e decide transgredir, e apesar de não ter muita leitura quando era mais jovem sobre relacionamento não monogâmico, eu insistia em ser essa doida.

Mas num piscar de olhos a doida passa a ser puta, vagabunda, como são chamadas as mulheres que rompem com o patriarcado. A puta é considerada o mais baixo escalão de mulheres, sendo que elas ajudaram a sustentar por séculos o contrato monogâmico de forma diferenciada e privilegiada aos homens, enfim, o capitalismo racista patriarcal se beneficia de nosso trabalho, putas ou não, por isso tentam nos calar.

Esse tempo de isolamento social tem me feito revisitar muitas histórias, em especial os afetos, as relações. Me entendi e assumi como não monogâmica recentemente, mais precisamente em 2017 quando acabou meu casamento também por isso. Eu já me sentia assim, mas não conhecia nenhuma relação fora da monogamia de uma forma assumida, foi buscando leituras a respeito pra tentar entender isso que sempre senti, mas não sabia dar nome e se já tinha nome, que cheguei às reflexões sobre poliamor e não monogamia. Até então eu só tinha conhecido o swing e o “meio liberal” (acho uó esse nome “liberal”, mas tudo bem! rs Isso dá outro texto).

Nessas recordações, lembrei como em várias relações o fato deu ser assim, “doida”, me levaram a ser preterida. Sei que existem outros motivos, certamente, mas isso é outro assunto. Sou sempre considerada maravilhosa, inteligente, gostosa, divertida, que conversa bem, transa bem, uma boa companhia, mas que no final não vai casar e nem vai ser exclusiva, monogâmica. Pra alguns vira até festa, se encantam com a possibilidade da liberdade, se divertem, conversam muito empolgados a respeito, compreendem e concordam com meus posicionamentos, mas acabam optando pelo convencional, pela monogamia, e quando encontram alguém que vai lhes oferecer isso, eu sou descartada. Podem até sentir falta de mim, saudade, mas eu não sou o tipo de mulher pra se ter uma relação “séria” e fica melhor me ter como amiga. Fora os que já optaram pela monogamia, mas quebram seus contratos monogâmicos só pra matar saudades da “amiga” aqui.

É bem aí que paira um problema, a não monogamia para muitos não é pra ser levada a sério, nem é vista como relação sequer, eu mesmo não a enxergava, ou só um lance passageiro, uma onda, poder fazer o que quiser que a pessoa não vai se magoar, afinal é tudo livre, acha que ela vai compreender e assim acaba por não ter responsabilidade afetiva alguma com quem se relaciona dessa forma. Já parei pra pensar se de alguma maneira não tenho culpa (mulher sempre buscando culpa, né?) por não demarcar melhor isso com quem me envolvo, mas sempre deixei tudo muito bem transparecido, costumo ser verdadeira comigo e com quem me envolvo esperando de volta essa recíproca. Mas o que percebo hoje é a dificuldade em encontrar afetos que estejam afinados da mesma maneira que eu sobre a não monogamia, e decididos também a viver esse arranjo. Podem até achar bacana, compreendem bem, trocam ideia a respeito, mas não é isso que querem, a monogamia sempre me venceu porque no fim é isso que a maioria deles busca, conforto e exclusividade, sendo que muitas vezes eles nem oferecem isso de volta, aos homens sempre foi facultado ser infiel e sempre lhes doeu muito a alcunha de “corno”, ser corna não doi tanto quanto, pois assim fomos socializadas, a suportar caladas todas as adversidades em nome do único amor da sua vida, verdadeiro e eterno.

Eu sempre brinco que a única coisa que ganhei sendo monogâmica foi chifre, e fui monogâmica porque de fato não sentia desejo por outros homens, isso acontece na não monogamia também, mas ficava me perguntando se seria assim sempre, se só sentiria desejo por ele e mais ninguém. Nunca me vi apaixonada e transando com um único homem pelo resto da minha vida! Falei isso pra um amigo esses dias e ele me disse que acha que a maioria das mulheres pensam assim, só não têm coragem de assumir. E é isso mesmo, tem que ter muita coragem! Na sociedade machista que vivemos, muitas mulheres pagam com a vida por esse desejo, são mortas pelos parceiros por quebrar a regra, por querer viver outros afetos, ou se assumem logo de cara isso, como eu, pagam o preço da solidão, pois não somos relações sérias, somos sexo de ocasião, bem como carinho e atenção de ocasião.

É como se não tivesse nome o que eu quero. Eu não desejo ter uma relação assumida pra geral, de envolver família, morar junto então, nem pensar! Ter que expor minha filha a homens que eu jamais irei obrigá-la a tratar bem ou ter relação, enfim, mas quero ter afetos que eu possa conversar, dar uma volta, transar muito, saber como está, contar como estou, coisas gostosas de fazer a dois. Daí podem me dizer: ah, mas assim tu só queres a parte boa! Sim, mas qual é o crime de só querer coisas boas e descomplicar as coisas? Hehe! E quem disse que a não monogamia também não tem seus problemas? Tem vários, inclusive a desconstrução de conceitos e comportamentos da monogamia que ainda reproduzimos! Mas este é o nome que achei pro que eu quero, relações não monogâmicas é o caminho que mais condiz com o que busco e amadureci sobre relacionamentos.

Creio também que não seja impossível encontrar quem pense como eu e deseje ter relações não monogâmicas, é bom ter esperança! Importante ter certeza do que se quer para não se enganar em relações que não serão recíprocas nesse sentido. É muito difícil, eu sei, mas eu pago o preço de ser quem eu sou e não precisar fingir que sou algo só pela necessidade de ter alguém, eu já fiz isso e não é nada agradável! O preço de ficar sozinha hoje me sai muito mais em conta, quem sabe um dia o acaso me agracia e o padrão monogâmico não me vença mais, que eu seja amada, desejada e respeitada justamente por ser assim. Hoje me sinto mais feliz e segura em saber o que quero, lado maravilhoso de envelhecer! Sou muito agradecida por todas que se dedicam a refletir e escrever sobre não monogamia e poliamor, pois é isso que importa, buscar ser feliz entendendo que a felicidade não está nas caixas prontas, existe uma infinidade de possibilidades e o ser humano é muito diverso, ainda bem!

Que sigamos na luta pela nossa felicidade, desmontando padrões e enfrentando o status quo, é dureza, mas certamente é melhor que passar uma vida inteira se enganando e se frustrando. Muitas mulheres passaram uma vida sem saber o que é ser dona de seus corpos e seus desejos, não podemos mais permitir isso! Vamos seguir lutando para que todas as mulheres sejam livres e donas de seus destinos, permanecendo vivas por suas escolhas! O amor é livre, assim como nossos corpos e individualidades!
Viva o amor! Viva a liberdade!

Boa sorte e força na vida!